Professor que dá a volta ao mundo de barco. Designer que parte para uma missão humanitária. Engenheiro que pedala todo o litoral. Cada vez mais as pessoas ditas comuns estão experimentando cair no mundo sem pára-quedas, em busca da viagem dos sonhos. É como se soasse a sirene da hora do recreio, cuja diversão pode ser escalar montanhas, navegar mares ou simplesmente mochilar por aí. Claro que isso gera conflitos internos e externos. Não é fácil deixar para trás os compromissos familiares, profissionais ou amorosos. Ir aonde dá na veneta tem um elevado custo emocional. Ainda são raros os casos em que esse pedido de um tempo à vida estável é compreendido. Sempre aparece alguém para dar um motivo para os viajantes guardarem a mochila. Porém, todos têm um motivo para partir. Seja conhecer para novas culturas, folga no trabalho estressante ou simplesmente correr mundo, correr perigos reais ou imaginários. Aliás, os perrengues são um capitulo à parte. Nem tudo são flores no caminho dos aventureiros. Algumas situações fazem até os mais abnegados se questionarem: “o que eu estou fazendo aqui?”. Passado o susto, não é raro o apuro virar piada na roda de amigos ou história para os netos no futuro. A pergunta que não quer calar: vale a pena?
Ana Elisa Boscarioli, São Paulo // Profissão: cirurgiã plástica // Sonho realizado: conquistar o Everest // Tempo investido 60 dias de escalada // Custo aproximado da viagem: 100 mil dólares // Dica: “Estabelecer metas e ter determinação para cumpri-las.”
Quem lê a inscrição “Dra. Ana Elisa Boscarioli” bordada no jaleco da médica, não imagina as mãos hábeis da cirurgiã plástica agarradas às pedras de uma montanha. Regularmente ela deixa os seus consultórios no interior e na capital paulista para escalar. “Eu sempre fui esportista”, garante Ana Elisa, 40 anos. Natação, ginástica olímpica, atletismo, ciclismo e triatlon sempre fizeram parte de sua vida. Entretanto, achava uma loucura as aventuras de seu irmão montanhista. Acordou para o sonho quando participou do trekking ao campo base do Monte Everest, em 1999. “Vi os alpinistas subindo e fiquei fascinada com a paisagem”, romantiza a médica. Pôs na cabeça a idéia de conquistar os 8 850 metros da montanha mais alta do planeta.
De volta ao Brasil, estudou sobre a fisiologia humana na altitude, fez cursos de escalada na rocha e no gelo, e comprou equipamentos. A rotina das consultas e cirurgias ganhou o reforço dos treinos nos fins de semana. Antes de enfrentar o seu maior desafio, escalou o Monte Kala Patar (5 700 metros, no Nepal), o Cerro Illimani (6 490 metros, na Bolívia), e o Aconcágua (6 962 metros, na Argentina). Apenas em 2006 é que se sentiu preparada para encarar o Everest. “Exige muita determinação, treino, organização e preparo psicológico”, diz a cirurgiã plástica.
A médica embarcou na expedição neozelandesa da Adventure Consultants, uma das empresas mais conceituadas em guiar grupos ao topo do mundo. Os nove integrantes – a paulista era a única mulher – usaram cilindros de oxigênio para concluir a empreitada. No dia 19 de maio de 2006, Ana Elisa Boscarioli realizou o seu sonho de conquistar o Everest, pela face sul. “Sonhei com o Everest por sete anos, escalei a montanha por 60 dias e fiquei 15 minutos no cume!”, explicou. De quebra, levou o título de primeira brasileira a escalar o Monte. Nem tudo foi alegria na conquista. Quando voltou ao acampamento no nível dos 8 mil metros, soube do falecimento de seu amigo, o montanhista Vítor Negrete.
A cirurgiã plástica considera que a viagem a fez crescer tanto pessoal como profissionalmente. Pudera, depois de enfrentar as agruras que o Everest impõe, ficar horas em pé na sala de cirurgia soam como música. O que os pacientes pensam das aventuras da médica? “Incentivam e querem sempre saber qual será o próximo desafio”, orgulha-se ela. Aprenderam que entre março e junho a agenda da Dra. Ana Elisa Boscarioli está cheia de compromissos com as montanhas do mundo.
De volta ao Brasil, estudou sobre a fisiologia humana na altitude, fez cursos de escalada na rocha e no gelo, e comprou equipamentos. A rotina das consultas e cirurgias ganhou o reforço dos treinos nos fins de semana. Antes de enfrentar o seu maior desafio, escalou o Monte Kala Patar (5 700 metros, no Nepal), o Cerro Illimani (6 490 metros, na Bolívia), e o Aconcágua (6 962 metros, na Argentina). Apenas em 2006 é que se sentiu preparada para encarar o Everest. “Exige muita determinação, treino, organização e preparo psicológico”, diz a cirurgiã plástica.
A médica embarcou na expedição neozelandesa da Adventure Consultants, uma das empresas mais conceituadas em guiar grupos ao topo do mundo. Os nove integrantes – a paulista era a única mulher – usaram cilindros de oxigênio para concluir a empreitada. No dia 19 de maio de 2006, Ana Elisa Boscarioli realizou o seu sonho de conquistar o Everest, pela face sul. “Sonhei com o Everest por sete anos, escalei a montanha por 60 dias e fiquei 15 minutos no cume!”, explicou. De quebra, levou o título de primeira brasileira a escalar o Monte. Nem tudo foi alegria na conquista. Quando voltou ao acampamento no nível dos 8 mil metros, soube do falecimento de seu amigo, o montanhista Vítor Negrete.
A cirurgiã plástica considera que a viagem a fez crescer tanto pessoal como profissionalmente. Pudera, depois de enfrentar as agruras que o Everest impõe, ficar horas em pé na sala de cirurgia soam como música. O que os pacientes pensam das aventuras da médica? “Incentivam e querem sempre saber qual será o próximo desafio”, orgulha-se ela. Aprenderam que entre março e junho a agenda da Dra. Ana Elisa Boscarioli está cheia de compromissos com as montanhas do mundo.
Ao sabor dos ventos
Gaël Bazantay, Saint Josep de Le Cap Ferrat, França // Profissão: consultor financeiro e empresário // Sonho realizado: deu a volta ao mundo de veleiro // Tempo investido: 1 ano // Custo aproximado da viagem: 45 mil euros // Dica: “Não duvide da importância de realizar o seu sonho.”
O consultor financeiro e empresário francês Gaël Bazantay, 39 anos, desde pequeno alimentava o sonho de rodar o mundo num barco a vela. “É uma aspiração muito natural para quem nasceu na Bretanha. Lá aprendemos a velejar muito antes de andar de bicicleta”, conta Bazantay. O estalo para jogar o emprego para o alto e viajar aconteceu depois de sete anos bastante cansativos, quando ocupou o cargo de executivo de riscos financeiros de uma grande empresa em Paris. O trabalho era exigente e complexo. Gaël sentiu a necessidade de tirar um período sabático. Queria transformar todos dias em domingo. Resolveu seguir à risca a música Vagabond (vagabundo), de Henri Salvador, uma espécie de Dorival Caymmi da França. “Profissionalmente um ciclo se concluía, não havia nada que me mantivesse preso àquela rotina”, lembra o francês. Levou um ano planejando com um amigo uma viagem de veleiro.
Em 1999, finalmente, ele atendeu àquilo que os franceses chamam de appel do large (apelo do horizonte) e levantou âncora num veleiro de 47 pés, pouco mais de 15 metros. Muita gente não entendeu como podia deixar um excelente emprego para correr mundo. “Eu queria um amor em cada porto”, brinca Gaël. O destino aprontou das suas. Em Gijón, norte da Espanha, conheceu Thaís, uma paraibana de Campina Grande. Como a moça também sonhava em conhecer o mundo, subiu a bordo. Logo engataram um namoro.
O roteiro incluiu lugares que dá para arriscar a chamar de paraíso: as ilhas caribenhas de Los Roques, Bonaire, Las Aves, Barlovento e o arquipélago de San Blas. “A travessia do canal do Panamá foi fascinante”, garantem em coro Thaís e Gaël. Depois de uma parada em Galápagos enfrentaram uma jornada de três semanas até a Polinésia Francesa, onde ficaram alguns meses.
Nem tudo foi calmaria. Nas Ilhas Marquesas, Thaís pisou num espinho. O hospital ficava a três dias de veleiro, noutro ponto do arquipélago. Nesse tempo, a brasileira sofreu com a febre alta, a dor e o inchaço no pé. Quando finalmente chegaram, o dito hospital se resumia a uma sala e um enfermeiro. “Pelo menos o lugar era limpinho”, diz Gaël Barantay. Porém, a anestesia não pegou e a operação teve de ser a sangue frio. “Foi o momento mais difícil da viagem. Mas a beleza do lugar compensou tudo”, conclui positivamente o consultor financeiro.
A viagem trouxe muitas coisas importantes para a vida do francês. O namoro com Thaís virou um casamento com três filhos. Nem é preciso perguntar se a experiência valeu a pena. “Vou ensinar aos meus filhos o amor pela viagem e pelo mar”, afirma. Na volta do Taiti a Paris, apenas uma questão martelava na cabeça de Gaël: “Como é que eu vou viver numa cidade de novo?”
Em 1999, finalmente, ele atendeu àquilo que os franceses chamam de appel do large (apelo do horizonte) e levantou âncora num veleiro de 47 pés, pouco mais de 15 metros. Muita gente não entendeu como podia deixar um excelente emprego para correr mundo. “Eu queria um amor em cada porto”, brinca Gaël. O destino aprontou das suas. Em Gijón, norte da Espanha, conheceu Thaís, uma paraibana de Campina Grande. Como a moça também sonhava em conhecer o mundo, subiu a bordo. Logo engataram um namoro.
O roteiro incluiu lugares que dá para arriscar a chamar de paraíso: as ilhas caribenhas de Los Roques, Bonaire, Las Aves, Barlovento e o arquipélago de San Blas. “A travessia do canal do Panamá foi fascinante”, garantem em coro Thaís e Gaël. Depois de uma parada em Galápagos enfrentaram uma jornada de três semanas até a Polinésia Francesa, onde ficaram alguns meses.
Nem tudo foi calmaria. Nas Ilhas Marquesas, Thaís pisou num espinho. O hospital ficava a três dias de veleiro, noutro ponto do arquipélago. Nesse tempo, a brasileira sofreu com a febre alta, a dor e o inchaço no pé. Quando finalmente chegaram, o dito hospital se resumia a uma sala e um enfermeiro. “Pelo menos o lugar era limpinho”, diz Gaël Barantay. Porém, a anestesia não pegou e a operação teve de ser a sangue frio. “Foi o momento mais difícil da viagem. Mas a beleza do lugar compensou tudo”, conclui positivamente o consultor financeiro.
A viagem trouxe muitas coisas importantes para a vida do francês. O namoro com Thaís virou um casamento com três filhos. Nem é preciso perguntar se a experiência valeu a pena. “Vou ensinar aos meus filhos o amor pela viagem e pelo mar”, afirma. Na volta do Taiti a Paris, apenas uma questão martelava na cabeça de Gaël: “Como é que eu vou viver numa cidade de novo?”
O mundo em duas rodas
Argus Caruso, Belo Horizonte // Profissão: arquiteto // ao mundo de bicicleta // Tempo investido: três anos e três meses // Custo aproximado da viagem: 21 mil dólares // Dica: “Partir”
Fiel ao estilo conciliador dos mineiros, o arquiteto Argus Caruso, 32 anos, achava que podia cair no mundo sem sacrificar a carreira profissional. E acabou provando que tinha razão, ao sair de Cordisburgo, a terra natal de Guimarães Rosa, para dar a volta ao mundo de bicicleta, e encontrar o mesmo emprego à sua espera ao retornar. No início, porém, poucas pessoas o apoiaram na decisão de dar um tempo nos compromissos. “A parte mais difícil da viagem é partir. A inércia é uma força muito poderosa”, observa.
Quando decidiu viajar, Argus organizou-se para não parecer que estava jogando tudo para o alto. Concluiu a obra em que estava trabalhando e não aceitou novos projetos. Assim que se desembaraçou das tarefas assumidas, partiu. Isso o ajudou a trabalhar na mesma empresa no retorno ao Brasil. Não fez nenhuma preparação especial para encarar as pedaladas por 35 mil quilômetros, em cinco continentes. Adquiriu o condicionamento físico ao longo da jornada. Fazia 30 quilômetros diários, no início, e foi aumentando o ritmo até alcançar a média de 80 quilômetros.
O périplo de Caruso teve dois momentos especiais. O primeiro foi quando viu o Oceano Pacífico e caiu a ficha de que tinha atravessado um continente. O outro foi quando chegou a um lugar que nunca conseguiu definir direito – a Índia. “É um país tão diferente do nosso, na religião, na cultura, no jeito das pessoas, que é como se fosse outro planeta”, compara. No Oriente Médio, as pessoas se espantavam com a distância pedalada por Caruso. Foi nessa região que ele teve a recepção mais calorosa, especialmente na Síria e Jordânia. Isso sem saber falar uma palavra em árabe. Nem de longe percebeu o clima de guerra transmitido pelo filtro dos noticiários da televisão. Ao contrário, todos faziam o máximo para que ele se sentisse em casa. “Quanto mais humilde a pessoa, melhor ela me recebia”, assegura Argus. Ele pode se orgulhar, também, de ter sido testemunha ocular da história no Timor Leste. Passou pela capital Dili, no exato momento em que Xanana Gusmão declarava o país independente.
Claro que a viagem não foi um mar de rosas o tempo todo. No Irã, por exemplo, Argus e Alexandra, a alemã com quem dividiu parte do caminho, foram tomados por espiões pela polícia dos aiatolás. A coisa ficou feia e tiveram de acompanhar os agentes até a delegacia. “Perguntaram sobre a nossa viagem e se tínhamos câmera, notebook ou filmadora.” Mesmo com os esclarecimentos, os ciclistas continuaram sendo perseguidos. Resolveram seguir mais cedo, de ônibus, para a Turquia.
No Egito, conheceu a diretora de um centro cultural francês, que o convidou para participar do projeto “Correspondence film”, com depoimentos de crianças do mundo inteiro. Com uma câmera, uma idéia na cabeça e pedaladas firmes, fez imagens adicionais para o documentário Um filme no meio da viagem. Editou o material na França. “Antes eu era apenas um arquiteto. Agora sou também documentarista, palestrante e tenho um livro de fotografias pronto à espera de uma editora”, contabiliza o mineiro. A viagem também trouxe outras percepções a Argus Caruso. “Aprendi a respeitar mais a natureza e as diferenças culturais”, finaliza. Só sabe quem viaja o mundo.
Quando decidiu viajar, Argus organizou-se para não parecer que estava jogando tudo para o alto. Concluiu a obra em que estava trabalhando e não aceitou novos projetos. Assim que se desembaraçou das tarefas assumidas, partiu. Isso o ajudou a trabalhar na mesma empresa no retorno ao Brasil. Não fez nenhuma preparação especial para encarar as pedaladas por 35 mil quilômetros, em cinco continentes. Adquiriu o condicionamento físico ao longo da jornada. Fazia 30 quilômetros diários, no início, e foi aumentando o ritmo até alcançar a média de 80 quilômetros.
O périplo de Caruso teve dois momentos especiais. O primeiro foi quando viu o Oceano Pacífico e caiu a ficha de que tinha atravessado um continente. O outro foi quando chegou a um lugar que nunca conseguiu definir direito – a Índia. “É um país tão diferente do nosso, na religião, na cultura, no jeito das pessoas, que é como se fosse outro planeta”, compara. No Oriente Médio, as pessoas se espantavam com a distância pedalada por Caruso. Foi nessa região que ele teve a recepção mais calorosa, especialmente na Síria e Jordânia. Isso sem saber falar uma palavra em árabe. Nem de longe percebeu o clima de guerra transmitido pelo filtro dos noticiários da televisão. Ao contrário, todos faziam o máximo para que ele se sentisse em casa. “Quanto mais humilde a pessoa, melhor ela me recebia”, assegura Argus. Ele pode se orgulhar, também, de ter sido testemunha ocular da história no Timor Leste. Passou pela capital Dili, no exato momento em que Xanana Gusmão declarava o país independente.
Claro que a viagem não foi um mar de rosas o tempo todo. No Irã, por exemplo, Argus e Alexandra, a alemã com quem dividiu parte do caminho, foram tomados por espiões pela polícia dos aiatolás. A coisa ficou feia e tiveram de acompanhar os agentes até a delegacia. “Perguntaram sobre a nossa viagem e se tínhamos câmera, notebook ou filmadora.” Mesmo com os esclarecimentos, os ciclistas continuaram sendo perseguidos. Resolveram seguir mais cedo, de ônibus, para a Turquia.
No Egito, conheceu a diretora de um centro cultural francês, que o convidou para participar do projeto “Correspondence film”, com depoimentos de crianças do mundo inteiro. Com uma câmera, uma idéia na cabeça e pedaladas firmes, fez imagens adicionais para o documentário Um filme no meio da viagem. Editou o material na França. “Antes eu era apenas um arquiteto. Agora sou também documentarista, palestrante e tenho um livro de fotografias pronto à espera de uma editora”, contabiliza o mineiro. A viagem também trouxe outras percepções a Argus Caruso. “Aprendi a respeitar mais a natureza e as diferenças culturais”, finaliza. Só sabe quem viaja o mundo.
Caindo na estrada
Fábio Cury, São Paulo // Profissão: administrador de empresas // Sonho realizado: mochilar pela Europa, Ásia e Oriente Médio // Tempo investido: seis meses // Custo aproximado da viagem: 14 mil Dólares // Dica: “Crie o seu próprio caminho pelo mundo.”
Acordar muito cedo e dormir muito tarde, reuniões intermináveis, pressão por resultados, expedientes que comprometiam até os fins de semana. Essa era a rotina do administrador de empresas Fabio Cury, de 32 anos. Ele trabalhava numa multinacional, em São Paulo, quando decidiu pôr a mochila nas costas e viajar o mundo. Achou que precisava dar um tempo para si mesmo e aproveitar a vida, até então confinada às paredes do departamento de marketing da empresa. Tiraria férias para percorrer a Espanha e Portugal, mas percebeu que queria ampliar o roteiro. Não tinha como prolongar o período longe da empresa. O jeito era se demitir. A tarefa nunca é das mais fáceis. “Deu um frio na barriga largar um trabalho de que eu gostava”, confessa Fabio. Apesar do medo, bancou a aposta pessoal e deixou para trás um emprego estável que prometia uma promoção para breve. Ao comunicar a decisão ao chefe, teve a agradável surpresa de ser incentivado por ele a cair na estrada.
Fabio voou para Madri, escolhida como ponto de partida de um roteiro ainda não completamente definido. Logo conheceu gente que estava viajando pelo mundo há meses, sem medo. “Eu me senti um covarde”, exagera Cury. Tomou coragem para sair sem rumo e sem data para voltar. A Espanha foi a primeira parada do trajeto que incluiria 21 países na Europa, Oriente Médio e Ásia.
Na Jordânia viveu situações dignas de cinema. Partiu da capital Amã com um grupo de estrangeiros em direção ao deserto. Queriam conhecer os castelos construídos pelos cruzados na Idade Média. Detalhe: foram de carona num dos muitos caminhões-tanque que circulam na região do Golfo Pérsico. O motorista simpatizou tanto com eles que os convidou para conhecer sua casa. “Comunicávamos-nos em inglês e muitas mímicas”, relembra Fabio. Depois voltavam à capital, mas nenhum caminhão-tanque ou camioneta deu carona. Até que foram resgatados por um microônibus do exército jordaniano. Os aventureiros queriam mais. Decidiram não voltar para Amã naquele dia. Procuraram pelo deserto um acampamento de beduínos. “Nos receberam muito bem, ficamos ali duas noites inesquecíveis”, exulta Cury.
O homem errado, no lugar errado, na hora errada. Essa foi a sensação de Fabio ao visitar a Rússia, quando estourou a crise financeira de 1998. O rublo, a moeda local, sofrera desvalorização. Era impossível sacar dinheiro nos caixas eletrônicos com cartão de crédito. O brasileiro ficou sem grana para pagar o albergue e comprar passagem rumo à Turquia. O pior: seu visto vencia em dois dias. Ao passar pelo Hermitage, viu chegar uma excursão de japoneses. Teve a idéia de comprar filmes na lojinha do museu, o único lugar que ainda aceitava pagamento com cartão na cidade. Vendeu-os com ágio aos orientais e conseguiu dinheiro para a hospedagem e o bilhete. Com essas e outras, a viagem de seis meses trouxe muito aprendizado ao administrador de empresas. “Ela se tornou a viagem dos meus sonhos porque eu não a planejei”, define Fabio Cury. “Permitiu que eu sonhasse com liberdade, sem pressa, sem roteiro, sem hora”, conclui.
Na Jordânia viveu situações dignas de cinema. Partiu da capital Amã com um grupo de estrangeiros em direção ao deserto. Queriam conhecer os castelos construídos pelos cruzados na Idade Média. Detalhe: foram de carona num dos muitos caminhões-tanque que circulam na região do Golfo Pérsico. O motorista simpatizou tanto com eles que os convidou para conhecer sua casa. “Comunicávamos-nos em inglês e muitas mímicas”, relembra Fabio. Depois voltavam à capital, mas nenhum caminhão-tanque ou camioneta deu carona. Até que foram resgatados por um microônibus do exército jordaniano. Os aventureiros queriam mais. Decidiram não voltar para Amã naquele dia. Procuraram pelo deserto um acampamento de beduínos. “Nos receberam muito bem, ficamos ali duas noites inesquecíveis”, exulta Cury.
O homem errado, no lugar errado, na hora errada. Essa foi a sensação de Fabio ao visitar a Rússia, quando estourou a crise financeira de 1998. O rublo, a moeda local, sofrera desvalorização. Era impossível sacar dinheiro nos caixas eletrônicos com cartão de crédito. O brasileiro ficou sem grana para pagar o albergue e comprar passagem rumo à Turquia. O pior: seu visto vencia em dois dias. Ao passar pelo Hermitage, viu chegar uma excursão de japoneses. Teve a idéia de comprar filmes na lojinha do museu, o único lugar que ainda aceitava pagamento com cartão na cidade. Vendeu-os com ágio aos orientais e conseguiu dinheiro para a hospedagem e o bilhete. Com essas e outras, a viagem de seis meses trouxe muito aprendizado ao administrador de empresas. “Ela se tornou a viagem dos meus sonhos porque eu não a planejei”, define Fabio Cury. “Permitiu que eu sonhasse com liberdade, sem pressa, sem roteiro, sem hora”, conclui.
Casal Aventura
Helena Pacheco Coelho e Paulo Coelho, São Paulo // Profissões: professora e físico nuclear // Sonhos realizados: Escalar o Aconcágua, o Kilimanjaro e o Mont Blanc // Tempo investido: expedições anuais, de 30 a 60 dias // Custo aproximado de cada viagem: 3 mil dólares // Dica: “Respeite a natureza, os seus limites pessoais e as diferenças culturais.”
Interromper completamente a rotina de trabalho para se jogar no mundo. Paulo Coelho, físico nuclear, pesquisador e professor da USP, 55 anos, e sua esposa, a professora aposentada Helena Pacheco Coelho, de 53 anos, durante vários anos sonharam com isso. Até descobrirem que a melhor forma de fazer isso não era de uma vez só, mas todos os anos, reservando o período de férias para roteiros de muita ação. Como a paixão dos dois era a escalada, passaram a desafiar montanhas em série, desde os anos 70, e continuam assim até hoje. Já viram o mundo do cume do Aconcágua, do Mont Blanc e do Kilimanjaro, e sonham em conquistar o Everest. Em 1991 chegaram perto disso, durante a primeira expedição brasileira sem oxigênio à montanha mais alta do mundo.
Escalam sempre da mesma forma. “Sem guia, sem cilindros de oxigênio e com recursos próprios”, orgulha-se o físico nuclear. Não fosse por essa filosofia, talvez não tivessem de abdicar da conquista do Everest quando estavam a 8 300 metros de altitude, a apenas 550 metros do cume. “Ofereceram oxigênio para que continuássemos, mas preferimos voltar”, lembra o montanhista, para quem a vida vale muito para ser desperdiçada no capricho da conquista a qualquer preço. “O importante é o caráter esportivo da escalada, respeitando nossos próprios limites”.
A viagem mais marcante para o casal nem foi ao Everest, mas ao Mont Blanc, entre Itália e França. Mas por que a montanha européia se eles já andaram em outros lugares mais altos e de mais difícil acesso? “O alpinismo começou ali, por isso o lugar sempre me atraiu”, explica Paulo. Em agosto de 2000, aconteceu a empreitada que teve a companhia de Klaus, um amigo alemão e também escalador. Os escaladores pretendiam alcançar o cume em três dias. O mau tempo fez com que esperassem por melhores condições num refúgio com dezenas de montanhistas do mundo inteiro. “O pior era dormir numa cama dupla onde tinham de caber três”. Finalmente as condições meteorológicas melhoraram e o trio pôde finalizar os 4 807 metros do Mont Blanc.
A vida de alpinista está sujeita a surpresas. Na escalada ao Everest, o casal Paulo e Helena enfrentou nevasca, ventos fortes e temperaturas de 30 graus negativos. Estavam a 7 500 metros de altitude, perto do local onde acampariam, quando o tempo virou – fato corriqueiro no alto das montanhas. Além disso, a ventania impedia-os de montar a barraca que traziam às costas. “Nossa única saída foi se embrulhar na barraca”, ri Paulo Coelho ao relembrar o acontecimento. A presença de espírito nesses momentos pode significar a vida ou a morte. Só depois de duas horas sob condições extremas, o tempo melhorou e os dois conseguiram armar a cabana.
As viagens mudaram muita coisa na vida de Paulo e Helena Coelho. Além de conhecer os próprios limites em situações adversas, aprenderam a respeitar cada vez mais a natureza e a entender a importância relativa das coisas. Na caminhada rumo ao topo do Monte Roraima, por exemplo, perceberam como a passagem do tempo pode ser entendida de modo tão diferente por outra cultura. “Os índios que estavam conosco simplesmente não ligavam para o tempo decorrido. Isso você só aprende viajando”, diz Helena.
Escalam sempre da mesma forma. “Sem guia, sem cilindros de oxigênio e com recursos próprios”, orgulha-se o físico nuclear. Não fosse por essa filosofia, talvez não tivessem de abdicar da conquista do Everest quando estavam a 8 300 metros de altitude, a apenas 550 metros do cume. “Ofereceram oxigênio para que continuássemos, mas preferimos voltar”, lembra o montanhista, para quem a vida vale muito para ser desperdiçada no capricho da conquista a qualquer preço. “O importante é o caráter esportivo da escalada, respeitando nossos próprios limites”.
A viagem mais marcante para o casal nem foi ao Everest, mas ao Mont Blanc, entre Itália e França. Mas por que a montanha européia se eles já andaram em outros lugares mais altos e de mais difícil acesso? “O alpinismo começou ali, por isso o lugar sempre me atraiu”, explica Paulo. Em agosto de 2000, aconteceu a empreitada que teve a companhia de Klaus, um amigo alemão e também escalador. Os escaladores pretendiam alcançar o cume em três dias. O mau tempo fez com que esperassem por melhores condições num refúgio com dezenas de montanhistas do mundo inteiro. “O pior era dormir numa cama dupla onde tinham de caber três”. Finalmente as condições meteorológicas melhoraram e o trio pôde finalizar os 4 807 metros do Mont Blanc.
A vida de alpinista está sujeita a surpresas. Na escalada ao Everest, o casal Paulo e Helena enfrentou nevasca, ventos fortes e temperaturas de 30 graus negativos. Estavam a 7 500 metros de altitude, perto do local onde acampariam, quando o tempo virou – fato corriqueiro no alto das montanhas. Além disso, a ventania impedia-os de montar a barraca que traziam às costas. “Nossa única saída foi se embrulhar na barraca”, ri Paulo Coelho ao relembrar o acontecimento. A presença de espírito nesses momentos pode significar a vida ou a morte. Só depois de duas horas sob condições extremas, o tempo melhorou e os dois conseguiram armar a cabana.
As viagens mudaram muita coisa na vida de Paulo e Helena Coelho. Além de conhecer os próprios limites em situações adversas, aprenderam a respeitar cada vez mais a natureza e a entender a importância relativa das coisas. Na caminhada rumo ao topo do Monte Roraima, por exemplo, perceberam como a passagem do tempo pode ser entendida de modo tão diferente por outra cultura. “Os índios que estavam conosco simplesmente não ligavam para o tempo decorrido. Isso você só aprende viajando”, diz Helena.