domingo, 5 de abril de 2009

Timbalada, Pelô e cerveja





A Costa Dourada





A preferida do sol




Pra tudo se acabar na quarta-feira

Glória a quem trabalha o ano inteiro em mutirão/ gente empenhada em construir a ilusão/ e que tem sonhos como a velha baiana/ que foi passista, brincou em ala/ dizem que foi o grande amor do mestre-sala/ o sambista é um artista e o nosso tom é o diretor de harmonia/ os foliões são embalados pelo pessoal da bateria/ sonhos de rei, de pirata e jardineira/ pra tudo se acabar na quarta-feira. “Pra tudo se acabar na quarta-feira” – Martinho da Vila


Em 1928, quando o cantor e compositor Ismael Silva cunhou a expressão escola de samba, não poderia imaginar a grandiosidade de cores, luxo e criatividade que as entidades alcançariam. Passados quase 80 anos, o carnaval do Rio de Janeiro transformou-se no mais rico, mais poderoso e mais conhecido produto de exportação do gênero no país. Esse espetáculo movimenta a economia carioca com venda de ingressos, publicidade, CDs, direitos de transmissão para a TV e gera empregos para as comunidades de samba. Isso sem falar na atração de turistas nacionais e dos quatro cantos do mundo. Segundo dados da Riotur, Empresa de Turismo do Município do Rio de Janeiro S/A, durante os quatro dias da Folia de Momo, aportam na Cidade Maravilhosa aproximadamente 700 mil visitantes. A maioria dos estrangeiros vem dos Estados Unidos. Entre os brasileiros, os paulistas lideram com folga o quesito presença no Sambódromo.

Nem sempre foi assim. A festa começou tímida. O primeiro desfile oficial aconteceu apenas em 1935, na antiga Praça Onze. Poucas escolas participaram da festa como a Deixa Falar (de Ismael Silva), a Estação Primeira de Mangueira (de Cartola e Carlos Cachaça), e a Portela (de Natal e Paulo da Portela). Por mais de 30 anos, o desfile das escolas foi realizado de forma espontânea, sem cobrança de ingresso. O carnaval começa a ganhar os contornos atuais somente no final dos anos 60. A destruição da Praça Onze faz com que o local do desfile seja alterado diversas vezes. As suas arquibancadas tubulares foram armadas nas avenidas Rio Branco, Presidente Vargas e Marquês de Sapucaí, no centro da cidade. Em 1984, o local definitivo seria construído, durante o governo de Leonel Brizola. A Passarela do Samba – ou Sambódromo no batismo popular –, projetada pelo arquiteto Oscar Niemeyer é um complexo de 85 mil m2, com 700 metros de extensão e capacidade de 62 mil espectadores, nos diversos setores.

O desfile das escolas de samba do Rio de Janeiro é um espetáculo inesquecível para os olhos e para o coração. Na avenida já se viu de tudo. Ou quase tudo. O sobrevôo do astronauta da NASA, a paradinha da bateria da Mocidade sob a batuta do mestre André, a Dercy Gonçalves com os seios de fora e até o Cristo Redentor maltrapilho, que provocou a ira da Igreja Católica (sendo coberto por uma lona preta devido a uma ordem judicial). O grande barato de assistir o desfile na Sapucaí é o envolvimento. Aos poucos, mesmo que você não seja um carnavalesco nato vai se ver envolvido com o evento. Já na fila de entrada no Sambódromo existe um clima de festa. Continua quando a primeira escola aponta na avenida. Não tem como ficar imune às piruetas majestosas do mestre-sala cortejando a porta-bandeira, ao luxo e à criatividade dos carros alegóricos ou à batucada de uma bateria com 250 ritmistas. Ver pela televisão não tem a menor graça. Bom mesmo é ali na avenida. No final do desfile, possivelmente você saberá cantar os sambas-enredos e torcerá para que os jurados dêem apenas nota 10 para a sua escola preferida.

Mas, digamos que você tenha ficado imune a tudo isso. Ainda pode espichar o olho para os camarotes das celebridades. Sim, eles ficam exatamente na sua frente, do outro lado da avenida. A lista inclui jogadores de futebol, atores famosos, políticos, músicos internacionais. Até a supertop model Gisele Büdchen já tomou parte da festa. Isso sem levar em conta os artistas que desfilam nos carros alegóricos das escolas ou nas alas, no meio do povo e a poucos metros de você. A Sapucaí promove o famoso encontro do morro com o asfalto, onde celebridades e pessoas simples dividem o mesmo palco. Isso é possível na fantasia da avenida.

Portanto, vale a pena encarar horas e horas nas arquibancadas para assistir as agremiações passarem, faça sol ou faça chuva. A experiência é realmente única. Como se isso não bastasse ainda tem a competição. Sim, o desfile é antes de tudo a disputa entre agremiações que têm apenas 80 minutos para mostrar um trabalho realizado o ano inteiro. As entidades estão divididas em vários grupos (Especial, A, B, etc.), conforme a sua qualidade técnica. O auge da festa acontece no domingo e na segunda, com o desfile das 14 escolas de samba do Grupo Especial, que disputam o título de campeã do carnaval. É nesse grupo que estão as tradicionais Mocidade Independente, Portela, Imperatriz Leopoldinense, Império Serrano, Salgueiro, Beija-Flor e Mangueira acostumadas com as glórias na pista. Segundo o carnavalesco Joãosinho Trinta, o desfile de carnaval é uma grande ópera popular. Nesse paralelo, o enredo seria o libreto; a bateria, a orquestra; os carros alegóricos, o cenário; e os destaques, os protagonistas. É o jeito bem brasileiro de fazer ópera. Entretanto, para colocar esse sonho em pé na avenida, a tarefa começa bem antes. Costuma-se dizer que carnaval seguinte começa a ser preparado na quarta-feira de cinzas anterior. O que aumenta a dramaticidade porque envolve muito tempo de trabalho e dinheiro. Só para você ter uma idéia, colocar uma escola sambando na Sapucaí gira em torno de 3 milhões de reais.

A competição deste ano promete ser ainda mais apimentada. A Portela, a maior papa-títulos de todos os tempos (21 vitórias), vem disposta a quebrar o jejum de 36 anos sem gritar é campeã. Outro motivo – esse comum a todas – é a evitar o tetracampeonato da Beija-Flor de Nilópolis. Portanto, mesmo que você não torça por alguma escola, a briga vai ser acirrada fantasia a fantasia. Melhor para você que pode viver o sonho de carnaval até a quarta-feira de cinzas.


Carnavais inesquecíveis


Desfiles que fizeram história na Sapucaí:

1972: Império Serrano: A verde e branco da Serrinha trouxe para a avenida o enredo “Alô, alô, Tia Carmem Miranda”, desenvolvido pelo carnavalesco Fernando Pinto. Porém, as alegorias estavam praticamente nuas. Isso causou apreensão nos componentesda escola na concentração. De repente, o carnavalesco desembrulhou dos plásticos animais, folhagens e árvores para montar uma imensa floresta, para surpresa geral. O resultado também foi surpreendente: Império campeã.

1988: Vila Isabel, com “Kizomba, a festa da raça”. As agremiações vieram para a avenida com enredo único: o Centenário da Abolição. A escola do coração de Martinho da Vila surpreendeu com suas fantasias e seu samba-enredo (“Valeu, Zumbi/ o grito forte dos Palmares/ que correu terra, céus e mares/ influenciando a abolição”) levantou a Sapucaí. Conquistou o inédito 1º lugar da escola no Grupo Especial.

1989: Beija-Flor com “Ratos e Urubus, larguem a minha fantasia”. Com o enredo de Joãosinho Trinta, a escola de Nilópolis abdicava do luxo, sua marca registrada, para falar da decadência da capital carioca. Trouxe para a avenida garis e maltrapilhos. A polêmica: a Igreja soube com antecedência que haveria um carro alegórico com a estátua do Cristo Redentor vestido de mendigo e proibiu com um mandado judicial. A solução foi cobri-lo com plástico preto e uma faixa: “Mesmo proibido olhai por nós”. Apesar de agradar o público, a Beija-Flor perdeu o título para a Imperatriz.



Dez, nota dez!!!

Como entender os quesitos de avaliação das escolas de samba


No último carnaval, você viu a sua escola do coração arrebentar na avenida (pelo menos para você). Porém, nas notas dos jurados, ela quase caiu para o Grupo de Acesso. Para evitar novas surpresas, preparamos o Pequeno Manual do Julgador Amador. Quesito a quesito, finalmente você vai aprender que evolução nada tem a ver com a teoria de Darwin.

Enredo: é a história que escola conta na avenida, definida pelo carnavalesco. Perde pontos: troca de alegorias ou alas em desacordo com o roteiro pré-estabelecido. Não perde pontos: a inclusão de qualquer tipo de merchandising, explícito ou não. Notas: 7 a 10.

Conjunto: é a uniformidade da escola em todas as suas formas - musical, dramática, visual etc. Perde pontos: falta de equilíbrio artístico no todo. Não perde pontos: eventual pane no sistema de som no Sambódromo. Notas: 7 a 10.

Bateria: considerada o coração da escola de samba, é dali que parte o ritmo da agremiação na avenida. Perde pontos: não sustentação da cadência em consonância com o samba-enredo. Não perde pontos: utilização de instrumentos de sopro. Notas: 7 a 10.

Samba-enredo: é dividido nos sub-quesitos letra e melodia. São consideradas as riquezas melódica e poética, adequação dos versos ao tema e a sua capacidade de facilitar o canto e a dança dos participantes.Perde pontos: ausência de características musicais do samba. Não perde pontos: licença poética na letra. Notas: 3,5 a 5,0 para cada sub-quesito, totalizando 10 pontos.

Harmonia: é o perfeito entrosamento entre o ritmo da bateria e o canto dos componentes da escola. Perde pontos: “atravessar o samba”, ou seja, quando uma parcela dos componentes canta um trecho do samba-enredo enquanto outra entoa um trecho diferente. Não perde pontos: eventual pane no sistema de som no Sambódromo.
Notas: 7 a 10.

Evolução: é a progressão da dança de acordo com o ritmo do samba executado pela bateria. Julga-se a espontaneidade, a criatividade, a empolgação, a agilidade e o vigor dos “desfilantes” na Marques de Sapucaí. Perde pontos: correrias e retorno de alas ao longo da avenida. Não perde pontos: abertura de “claros” (espaços) por necessidades técnicas do desfile. Por exemplo, apresentação do mestre-sala e porta-bandeira. Notas: 7 a 10.



Escolas de bambas

Em 12 de agosto de 1928, o cantor, compositor e violonista Ismael Silva, ao lado de sambistas do Estácio, fundou a Deixa Falar, a primeira escola de samba do Rio de Janeiro. Segundo Silva, seria dele a autoria a expressão “escola de samba”, por analogia com a instituição de ensino que existia bairro, de onde saíram os “professores” de samba.



BASTIDORES DO CARNAVAL


O ensaio mais tradicional

Todo mundo te conhece ao longe/ Pelo som dos teus tamborins/ E o rufar dos teus tambores/ Chegou ôôô/ A Mangueira chegou “Exaltação à Mangueira” – Aloísio da Costa e Enéas Brites


Na chegada ao Palácio do Samba, nome oficial da quadra da Estação Primeira de Mangueira, duas coisas chamam a atenção: a multidão concentrada nas proximidades (seja nas barraquinhas que vendem bebida, seja na fila para comprar ingresso) e o funk carioca da Tati Quebra Barraco, tocado no último volume nas tais barraquinhas,
com as pessoas dançando no meio da rua. Subo a escada receoso da quantidade de gente na quadra. Desde que cheguei ao Rio de Janeiro todo mundo me falava bem do ensaio da Mangueira, com a ressalva da superlotação. “Lá a coisa bomba”, me garantiu o taxista a caminho da Zona Sul.

No lado de dentro, o medo se desfez. O ambiente estava cheio, mas tranqüilo para circular. O público é basicamente de turistas. Gente na faixa dos 35 anos e alguns idosos. A Velha Guarda da Mangueira estava no palco dando conta do recado. Desfiava um sucesso atrás do outro, puxado do imenso baú dos compositores da escola. Passada a primeira hora, o 2º intérprete da agremiação assume o posto para relembrar os sambas-enredos mais recentes.

A quadra tem capacidade para oito mil pessoas. É dividida em três grandes partes. O salão, onde os componentes e turistas dançam; as laterais, onde se situam lojinhas e bares; e os camarotes, que guardam uma curiosidade. Todos são batizados com nomes de personagens da comunidade mangueirense. Só não espere ver gente conhecida. Os homenageados são pessoas como Nininha Xoxoba (passista e porta-bandeira), Jorge Pelado (ala dos compositores), Antônio Abóbora D’Água (componente da velha guarda) e João Cocada (componente).

A presença dos turistas é marcante, especialmente dos estrangeiros. O suíço Jacques Fergé tinha chegado naquela manhã de Genebra e foi conhecer o ensaio da verde e rosa. Embalado pela caipirinha, tenta uns passos desengonçados de samba. Não é só ele. Muitos outros forasteiros sacodem o quadril tentando acompanhar a música. Até o cameraman da TV japonesa se aventura na experiência de sambar. No ensaio havia um grupo de jornalistas vindo de várias partes do mundo. O que só confirma a vocação da Mangueira para ser superstar. Ou como diz uma antiga canção de Cartola, o seu poeta maior: “Minha Mangueira, és a sala de recepção”.




A feijoada mais tradicional

Provei do famoso feijão da Vicentina/ só quem é da Portela/ é que sabe que a coisa é divina “Pagode do Vavá” – Paulinho da Viola


Tarde calorenta no Rio de Janeiro. Dezenas de pessoas se concentram em frente à quadra da Portela, carinhosamente apelidada de Portelão, na rua Clara Nunes, em Madureira. O motivo do burburinho é a famosa feijoada. O sol inclemente me faz pensar se feijoada combina com a alta temperatura da cidade. Ao ouvir os primeiros acordes de samba vindos do Portelão, não hesito: compro o ingresso (R$ 5) e entro.

A quadra está repleta. A Feijoada da Portela é um acontecimento no mundo do samba carioca. Não é raro músicos ou velhas-guardas de outras agremiações aparecerem para dar uma “canja” com os anfitriões. A história começou meio por acaso. A portelense tia Vicentina costumava oferecer caldinho de feijão para o pessoal da bateria no final dos ensaios. O caldinho virou uma feijoada que era sucesso absoluto entre os sambistas. Tanto que foi imortalizada na música “Pagode do Vavá”, de Paulinho da Viola. Há quatro anos, entretanto, converteu-se num evento do calendário oficial da Portela, ocupando o primeiro sábado de cada mês.

Atualmente são servidas cerca de seis mil feijoadas. Para dar conta do recado, dez cozinheiras iniciam a feitura do prato na quinta-feira anterior, garante a Glória Silva. Essa simpática senhora de 65 anos integra o grupo de quituteiras e desfila na ala das baianas da escola. Aqui vale a primeira dica: chegue até 14h. Depois disso, a entrada fica mais tumultuada. Dica número 2: compre logo a sua ficha de feijoada (R$ 7). Mesmo que você esteja lá dentro, pode ficar sem provar a iguaria. A explicação é simples. Nem sempre a previsão da cozinha consegue suprir a quantidade de visitantes. A dica final atende por uma palavra: paciência. As fichas são vendidas exclusivamente no caixa ao lado da cozinha (à direita de quem entra na quadra. Já as fichas de bebidas são comercializadas nos bares nas extremidades do recinto).

Enquanto aguardo, conheço uns estudantes intercambistas alemães. Estavam ali para assistir o que chamaram de “Buena Vista Social Club brasileiro”. A comparação entre os músicos da Velha Guarda da Portela e os cubanos do filme de Wim Wenders é quase inevitável. Tanto um grupo como outro saiu do ostracismo para virar estrela quando seus integrantes já gozavam a terceira idade. Os sambistas ganharam projeção ao gravar o cd “Tudo Azul”, através do Phonomotor, selo de Marisa Monte. A partir disso, eles passaram a fazer shows no Brasil e no exterior. A história também reservou-lhes outros desdobramentos. Os quitutes das damas portelenses transformaram-se num livro de receitas organizado por Alexandre Medeiros e num documentário de Anna Azevedo, ambos com o mesmo nome: “Batuque na cozinha”.

O caminho das hortênsias

Na Serra do Espírito Santo, pertinho de Vitória, uma rota repleta de flores, pousadas transadas, comida boa e muitos... alemães. Alemães?!


Certamente você já ouviu falar da moqueca capixaba e das praias de Guarapari. E da região serrana do Espírito Santo? Esse lugar belíssimo ainda não foi descoberto pelo resto do Brasil. Fica a apenas 40 minutos de Vitória, mas com um clima bem diferente, que mais lembra o da Serra Gaúcha. É comum a temperatura estar acima dos 30°C na capital e a metade lá no alto. Dá para pegar um bronzeado nas praias de Vitória ou Guarapari durante o dia e aproveitar o friozinho regado a vinho à noite. Percorremos a BR-262 em direção a esse pedaço surpreendente do país. No caminho, hortênsias, esportes radicais, descendentes europeus e comida de primeira.


Na saída de Vitória num sábado às 9 da manhã. O sol dava mostras de que o dia será perfeito para renovar o bronzeado. A suspeita se confirma quando passamos pela orla marítima e vemos muita gente a caminho do mar para um mergulho refrescante. Apesar da imagem convidativa, o nosso destino é outro. Porém, não menos interessante. As cidades de Domingos Martins e Venda Nova do Imigrante.


Domingos Martins, 10 da manhã


Na entrada de Domingos Martins o primeiro sinal de que estamos chegando a uma verdadeira embaixada alemã no Brasil: o pórtico em estilo enxaimel. Aos poucos a cidade vai revelando as suas raízes européias. A colonização germânica começou aqui em 1847, com imigrantes originários das regiões do Hunsrück e Pomerânia. Os sinais são visíveis. É comum ver gente de olhos azuis e cabelos loiros passando pra lá e pra cá. Também não é difícil encontrar alguém que fale uma ou outra palavra, ou, até mesmo, quem se expresse fluentemente no idioma de Michael Schummacher.


Na fila do banco, os aposentados que vieram do distrito de Melgaço não falam outra coisa que não o pomerano, um dialeto da antiga Alemanha. Muitos se cotizam para contratar uma tradutora na hora de se comunicarem com os “brasileiros”. Aliás, às quartas-feiras, o culto luterano é celebrado em alemão. A tradição se manteve, apesar da repressão recebida durante a 2a Guerra Mundial quando não podiam se expressar na sua língua natal. A nota triste é a arquitetura. Restam poucos prédios em estilo alemão como os da prefeitura, da igreja luterana ou do Hotel Imperador. “Houve uma época em que era feio ser alemão, daí as marcas foram sendo apagadas”, afirma Joel Guilherme Velten, um cônsul informal da cultura alemã na cidade.


A população gosta de contar histórias e adora receber os visitantes. O contato inicial – como em qualquer início – tem uma pitada da famosa fleuma germânica, porém logo se soltam em risos bem brasileiros. No Agrotur Center, uma espécie de shopping de lazer, o Grupo Cultural Folclórico Bergfreunde (Amigo da Montanha, em alemão) se apresenta para uma platéia de turistas atentos. Ao fim de cada número os aplausos pipocam. Segundo Werner Bruske, integrante do grupo, eles já fizeram espetáculos no sul do Brasil, Estados Unidos e na própria terra dos antepassados, a Alemanha. O cotidiano passa sem sobressaltos entre uma polca e outra.


Se a vida passa devagar no centro da cidadezinha, o mesmo não acontece a alguns quilômetros dali. As corredeiras do rio Jucu recebem visitantes de todas idades, que pagam para terem os nervos testados num passeio de emoções radicais. Falta coragem para eu fazer o mesmo. Porém, uma coisa mexeu com os meus brios. Um grupo de turistas volta do rafting. Entre os adultos, Letízia Trannin, uma simpática carioquinha de onze anos. Ainda com os lábios roxos de frio, ela conta maravilhas da aventura. Se ela foi, eu, um marmanjo, tenho de ir.

Os borrachudos são uma barreira a ser vencida. Eles fazem a festa enquanto são passados os procedimentos segurança – o meu reino por um repelente! Todos estão sérios. Para aliviar a tensão, o instrutor JB explica que a sigla do seu nome significa “gente boa”. Subverteu o português, mas não perdeu a piada. No meu bote vai uma família inteira de Barueri. Olinto Costa trouxe os filhos Fábio e Daniel para radicalizar no Jucu. Só não conseguiu convencer a esposa Elizabeth, que prefere ficar filmando a aventura familiar.


A água está geladíssima. Já na primeira descida o banho é inevitável. Logo esqueço o frio. Pudera, a adrenalina vai a mil por hora e os remos não param um instante. “Rema, rema”, grita JB aos afoitos navegantes. Quando a queda d’água é muito forte e não há muito a fazer apenas avisa: “reza, reza”. Todos se divertem. No final dos 8 quilômetros de percurso, um piquenique preparado pela equipe do rafting reanima os exaustos remadores.


A próxima parada é uma ponte na ferrovia que liga Vitória a Cachoeiro do Itapemirim. É hora do rapel. Tudo é grande por ali. Para chegar atravessamos um túnel de 250 metros. São simplesmente 90 metros de descida em negativo. Ou, num linguajar leigo, sem qualquer apoio para os pés. Achei que era emoção demais. Resolvi dar um refresco para o meu anjo da guarda e declinei do convite. Lá embaixo corre o braço norte do nosso já conhecido rio Jucu. A estrada de ferro está em plena atividade. Tanto que enquanto estávamos ali passou um trem limpa-trilho em direção a capital. Mas não se preocupe nunca ninguém foi corrido pelo trem como acontece nos desenhos animados. Domingos Martins mostra que é uma alemãzinha pra lá de radical.


Venda Nova do Imigrante, 8 da manhã


Já na chegada a Venda Nova do Imigrante o frio apertou. Pudera! A temperatura média anual é de 18°C. O que justifica as hortênsias, um ícone dos lugares frios, no meio da estrada. Esse clima ameno atraiu os imigrantes italianos que chegaram a região por volta de 1890. É corriqueiro encontrar sobrenomes como Busato, Peterle ou Carnielli. Os descendentes de italianos sempre produziram tudo o que consumiam. E não é que isso virou atração turística em Venda Nova do Imigrante? A coisa começou por acaso. Os turistas de passagem começaram a ir às propriedades rurais para comprar produtos e ver como eram feitos. A atividade ganhou contornos profissionais. Hoje são mais de vinte de propriedades que se dedicam ao agroturismo. Cada uma com sua especialidade, o que deixa mais interessante o tour pelas diversas fazendas. Os visitantes vêm em caravanas organizadas pelos hotéis da região ou em seus próprios carros (mineiros em sua maioria).


O casal paulista Sabrina e Eduardo Rizzo veio passar uma lua-de-mel diferente e adorou. Repete a experiência pela terceira vez, sempre trazendo gente nova para vivenciar o cotidiano na fazenda. Dessa vez vieram com três pessoas da família. “É um resgate de onde tudo começou”, afirma Sabrina. Todos fazem coro. É possível ver o café da colheita à xícara. Henrique, 12 anos, não desgruda o olhar da peneira por onde passa a farinha do fubá, uma das especialidades da fazenda da família Carnielli.


Não muito longe dali, a família Lorenção se desdobra para receber os turistas. O lugar se dedica à produção de tomate seco e do socol, uma espécie de presunto que curte por até quatro meses. Muitos descendentes de italianos vêm das grandes cidades para conhecer um pouco daquilo que avós sempre contavam sobre os hábitos dos colonos. Isso quando não são os próprios nonnos não revivem o passado. Grupos de estudantes, especialmente universitários de agronomia, dão as caras no sítio de 36 hectares.


Um ônibus cheio de turistas está saindo do Sítio Família Busato. Ninguém volta de mãos vazias. Um leva uma garrafa de cachaça, outro um pote de iogurte artesanal. Lúcio, filho do proprietário, já se prepara para receber outro grupo. Na sala ao lado, a mãe Iria trabalha duro na feitura de novos produtos enquanto o irmão, Carlos, cuida do alambique. É assim a vida dos Busato desde que começaram com agroturismo em 1991. Os queijos feitos na propriedade são sucesso absoluto. Mas se você quiser comprar terá de ficar numa fila de espera de três meses. Entre os clientes, gente de Salvador, São Paulo, Fortaleza e até um suíço que mora no sul da Bahia.


Hora do almoço. A Fazenda Saúde é o destino certo dos turistas. O lugar nasceu para ser um pesque e pague (que ainda existe), mas ficou famoso pelo almoço que mescla culinária italiana e mineira. Tudo comandado pela matriarca Marta Franceschetto, onze filhos, olhos muito claros e um leve sotaque italiano. As mesas são antigas máquinas de costura. Para acompanhar o seu almoço, não deixe de provar o vinho de jabuticaba. Na sobremesa nada mais natural que doces de carambola, mamão com coco e pé-de-moleque. O lugar é muito agradável. É comum ver famílias inteiras sentadas ao redor do lago enquanto assistem ao passeio majestoso dos pavões de estimação da fazenda. Uma bela imagem para levar da Serra Capixaba.


A estrela da rodovia


Na altura do quilômetro 90, está a grande estrela da BR 262, a Pedra Azul. A formação rochosa de 1822 metros de altura ganhou esse nome porque conforme a incidência do sol, ela ganha um tom azulado. Porém, na verdade, a Pedra Azul é multicor. Cinza logo cedo, verde no meio da manhã, azul ao meio-dia e vermelha no fim do dia. Ela fica dentro de um parque estadual. Por isso, se você quiser vê-la mais de perto é necessário agendar a visita (tel. 3248-1156, das 8 às 17h30). Junto a ela é possível fazer caminhada de 3 horas pelas trilhas do lagarto e das piscinas naturais. Sem dúvida, ela é a estrela da rodovia.


O padre pé-de-vento


Pode anotar. Quando chegar a Venda Nova do Imigrante você vai ouvir: já conheceu o Padre Cleto? Fomos. A princípio parecia uma figura frágil dentro do casaco de lã e boina cobrindo a cabeça. Logo se transforma numa metralhadora giratória que não pára de falar. “Será que não tem um lugarzinho para mim na revista de vocês?”. O velho padre Cleto Caliman é um pé-de-vento. Diz que já zanzou pela França, Espanha, Portugal, Alemanha e pela sua bella Itália. A próxima parada é o Chile. Faz questão de demonstrar que é um poliglota de carteirinha. Desanda a falar em italiano, francês e espanhol. Só não teve jeito de aprender inglês. “E também falo o português com indiscreta infâmia”. Os seus 89 anos o ensinaram a rir de si mesmo. Além de pé-de-vento, o religioso tem fama de festeiro. A Festa da Polenta, o maior evento da cidade, saiu de sua cabeça branquinha. Flamenguista roxo, no período em que serviu numa arquidiocese do Rio de Janeiro, sempre dava um jeitinho de ir ao Maracanã para ver a equipe rubro-negra jogar. Afirma que viu o milésimo gol do rei Pelé.


Viagem no tempo de Maria-fumaça

Campinas a Jaguariúna de trem um bom programa para a família.

Manhã de sol. A plataforma de Anhumas, em Campinas, está lotada. Todos embarcam para uma viagem no tempo. Mas não é em nenhuma geringonça futurista e sim numa simpática locomotiva a vapor Berliner Maschinenbau, fabricada em 1927, na Alemanha. O chefe da estação faz sinal, a maria-fumaça parte com destino a Jaguariúna, deixando para trás a gare, o futuro e um rastro de fumaça no céu.

Na saída, as pessoas batem palmas e fazem um oh! de espanto. No fundo, apostavam que a máquina não se moveria um milímetro sequer nos trilhos. Erraram feio. Inicia o sacolejo que nos acompanhará todo o percurso: ora a cabeça pende para um lado, ora para o outro. A maior dificuldade é caminhar, as pernas não estão treinadas para o balanço do trem. Ninguém reclama, curtem a viagem no tempo dos seus avós. De repente, a locomotiva pára. O guia sorri e avisa que é normal a máquina perder força. Para fazer esta viagem, a sua caldeira precisa ser alimentada 6 horas antes. Em tempos de trens que alcançam velocidades fantásticas, a nossa maria-fumaça segue a modestos 25 km/h. É o trem-bala de coco, saboreia cada pedaço do caminho.

Esta ferrovia é rica em histórias. Construída em 1872 para escoar a safra cafeeira, acabou sendo conhecida como "Cata café". No seu traçado, existem diversas fazendas, a mais famosa é a São Vicente, projetada pelo arquiteto Ramos de Azevedo, e onde foram gravadas cenas da novela "Terra nostra". A idéia de transformá-la em roteiro turístico surgiu em 1977, com o nascimento da Associação Brasileira de Preservação Ferroviária (ABPF), que gerencia os passeios até hoje. Este trecho é considerado o terceiro maior do mundo de ferrovia de conservação. A maioria dos turistas vêm de São Paulo e cidades vizinhas. Mas já passearam aqui americanos, japoneses e europeus. Os estrangeiros acham curioso um país onde não há trens de passageiro, possuir esta atração.

Café com pão, café com pão

O poeta Manuel Bandeira brincou com as palavras para imitar o som do trem: café com pão/ café com pão. Se esta lembrança abriu o seu apetite, é só ir se equilibrando até o vagão-restaurante. O ambiente é simples, com toalhas quadriculadas nas mesas. As opções também são singelas, mas dá para enganar o estômago com biscoitos e lanches. Se a sede bater tem refrigerante, água e cerveja, porque ninguém é de ferro. Tudo por preços acessíveis. As crianças adoram. Como o pequeno Gianluca, 3 anos, que olha a paisagem sumir enquanto devora um pacote de batatinhas. Além disso, você pode levar para casa cartões postais, bonés e fitas de vídeo da viagem.

Na estação Carlos Gomes, todos descem e o guia conta a história da maria-fumaça no Brasil e o seu funcionamento. Esta gare foi restaurada e abriga um museu ferroviário ao ar livre. O Seu Aparecido, que na infância corria para a beira da linha férrea para acenar os passageiros no trem, hoje, aos 41 anos, é um dos maquinistas das três marias-fumaças que fazem o trajeto. Mas seu grande xodó é a Berliner Maschinenbau. "Tenho até uma foto dela na parede lá de casa, mas minha mulher não sente ciúmes", diz dando um sorriso maroto.

Outra vez no trem, seguimos até a Jaguariúna. A única nota triste da viagem: a locomotiva não pode chegar à cidade, porque a linha foi substituída por uma ponte para pedestres. O jeito é a locomotiva trocar de lado e começar a puxar os vagões. No retorno, a maria-fumaça não faz paradas e traz todos felizes de volta para o futuro.

Floripa de todos os ventos

Natureza privilegiada, bons ventos, alto-astral. Se o Brasil tem uma capital dos esportes ao ar livre, ela fica na Ilha de Santa Catarina.


Alessio Heindenreich, 78 anos, nunca ouviu falar em wakeboard, parapente, kitesurf ou trekking. O seu mundo ainda é povoado de serenatas, festas animadas pela Sociedade Musical Nossa Senhora da Lapa e histórias fantásticas dos pescadores do Ribeirão da Ilha, onde mora, no sul de Florianópolis. O que o Seu Alessio não sabe é que a Ilha de Santa Catarina está se transformando num reduto para a prática de esportes de aventura, uma espécie de Nova Zelândia à brasileira. Isso pode ser creditado à rara combinação natural encontrada ali. Poucos locais no país reúnem montanhas, lagoas (Conceição e Peri), dunas, manguezais, ventos constantes, rios e as águas claras do Oceano Atlântico por todos os lados. Não é necessário fazer grandes deslocamentos para praticar a modalidade radical escolhida. A meia hora do Centro dá para surfar as ondas fortes da Joaquina e, em 40 minutos de lancha, é possível mergulhar na Ilha do Arvoredo. Soma-se a boa infra-estrutura da capital. E o resultado é uma qualidade de vida ímpar entre as metrópoles brasileiras. A qualquer hora do dia é comum ver carros carregados de equipamentos esportivos a caminho da lagoa, do mar ou da montanha. Esse é o espírito de Floripa.


Muita gente chega de férias para aproveitar as delícias de Florianópolis e não volta para casa. O piloto de parapente Aloísio Sarmento, o Paulista, 46 anos veio passear e já está há três décadas em terras catarinenses. Fez de tudo um pouco: trabalhou com fotografia, tosou pêlos de cães em pet shop até iniciar-se no esporte em 1993. Agora está realizando o sonho de transformar a praia Mole em seu escritório, onde voa, dá aulas e faz passeios de parapente com os turistas. “Aqui é um dos melhores lugares no Brasil para voar, sempre rola um ventinho”, garante o piloto, com a autoridade de quem realizou aproximadamente 2 500 vôos. Saltar de parapente da rampa do morro do Gravatá é garantia de um vista inesquecível da praia Mole. Os ventos constantes do leste, sudeste ou nordeste sempre dando um forcinha. “Quando não tem um, tem o outro”, brinca Paulista.


Mar Lagoa, montanhas, dunas, floresta. Tem tudo aqui


A vocação de Florianópolis para os esportes de aventura é tamanha que na lagoa da Conceição o vaivém de praticantes não pára nunca. Ali é possível praticar kitesurf, wakeboard e winsurf – só para não fazer uma lista muito extensa. E se você olhar para o alto ainda vai ver os parapentes aproveitando as térmicas. Apesar disso, não existe congestionamento de esportistas no local. A explicação é simples. As condições climáticas ideais para um esporte pode ser prejudicial para outro. “O vento é ruim porque ondula a água e dificulta as manobras”, ensina o wakeboardista Artur Assis Pereira, 21 anos. O outono é a época perfeita para o wakeboard na ilha. A turma do kite espera pela primavera quando sopram os ventos constantes e moderados que impulsionam a pipa. O esporte que começou com a prancha do wakeboard e a vela do parapente é o que mais cresce em número de adeptos em Floripa, especialmente entre as mulheres. “É porque não exige tanto esforço como o wind”, afirma a fisioterapeuta e kitesurfista Renata Berretta, de 25 anos. Segue uma tendência mundial. Até Robby Naish, lenda viva do wind, experimentou, gostou e se converteu num dos seus maiores divulgadores.


Por outro lado, o windsurf precisa de muito vento para empurrar a vela e ganhar velocidade para as manobras mais radicais. Isso vai acontecer na primavera e no verão, conforme Max Fernandes Neves, velejador e instrutor da Windcenter, 20 anos, metade dos quais dedicados ao esporte. A Ilha de Santa Catarina está entre os melhores lugares no Brasil para a prática do wind e do kitesurf, concorre vento a vento com Jericoacoara, Natal, Fortaleza e a lagoa de Ibiraquera, no sul do estado. O curioso é que todo mundo na Ilha seguia pelos ventos. Quando há uma faixa de nuvens no morro Cambirela é porque vai entrar o vento sul garantem os pescadores. Traduzindo para a língua dos esportistas: boas condições para o windsurf e regulares para o mergulho na Ilha do Arvoredo. Mesmo com tanta tecnologia envolvida nos esportes atuais é nos ensinamentos de gerações que os esportistas ainda se apóiam. O mais importante é que em Floripa sempre faz tempo bom para os radicais liberarem a adrenalina.


Na Joaquina ninguém perde o programa. Se as ondas estiverem fracas, basta subir as dunas e deslizar a 60km por hora


Mas se não rola nenhum ventinho? A saída é colocar uma prancha de sandboard debaixo do braço e seguir para a Joaquina. Lá, segundo a lenda, o esporte inventado em 1986. Quando o mar estava sem ondas, os surfistas desciam as dunas com pedaços de pranchas quebradas, fórmicas e até papelão. Portanto é um esporte tipicamente manezinho da ilha. Agora, a prancha é feita de fibra de carbono. A relação com o snowboard é muito próxima. “A gente adaptou as manobras para o sand”, afirma o catarinense Eduardo Mesquita, o Duda, 30 anos, primeiro atleta a realizar o front flip (mortal para frente) no sandboard. No fim da tarde, quando as areias esfriam e a prancha desliza mais facilmente, as dunas da Joaquina estão entre as melhores do mundo a prática do esporte. Portanto, não é de estranhar que o tricampeão mundial da modalidade seja Digiácomo Dias, 25 anos, paulista radicado em Floripa.


O trekking é um esporte de aventura que encontra terreno fértil em Florianópolis. Trilhas como a do Naufragados ou da Feiticeira, caminhos corriqueiros dos pescadores ao longo dos séculos, recebem gente ávida para explorar os encantos da Ilha da Magia. Outro fator é o município possuir uma área de preservação ambiental permanente equivalente a 42 porcento do seu território. Não é raro encontrar pelo caminho riachos, lagartos e macacos-prego nas encostas de morro cobertas pela Mata Atlântica. Os amigos Adam Wood, Dean Clark, Adam Landers e Benjamin Ryan, o Bennie vieram de Londres de férias e aproveitaram para conhecer a trilha da Lagoinha do Leste.


Trilhas até os cantos mais escondidos da ilha duram dez horas. E estamos numa capital


Existem dois caminhos, com diferentes graus de dificuldade, para chegar até lá, ambos saindo de Pântano do Sul. No percurso mais difícil (e por isso menos freqüentado), contorna-se o Morro do Pantano. São 11 quilômetros de subidas impiedosas e descidas acentuadas que exigem um preparo físico apurado. A trilha de dez horas é feita por dentro do Parque Municipal da Lagoinha do Leste. É recomendável levar água mineral e lanche. No trajeto, córregos, matas fechadas, costões à beira mar, curiosas formações de pedra e a gruta do Portal da Felicidade, no morro da Coroa. Além da vista privilegiada para as praias de Pantano do Sul, Naufragados e as ilhas Três Irmãs. “A trilha é sensacional, apesar de difícil”, diz Adam Landers, que esteve na Guerra do Iraque a serviço do Exército da Rainha da Inglaterra. “Merece ser mais divulgada”, garante Dean Clark. A descida da Ponta do Açúcar até a praia os joelhos sofrem muito com a inclinação do terreno. Dá vontade de cantar aquela velha canção de Tom: “É pau, é pedra, é o fim do caminho.” A recompensa por tanto esforço é um mergulho nas águas calmas da lagoinha do Leste. Mas é apenas pausa. O ponto final é o mesmo de partida, em Pantano do Sul, a pouco mais dois quilômetros. O jeito é tomar fôlego e seguir pela trilha (mais curta e mais fácil) até lá.


Mesmo distante da terra firme, Florianópolis é perfeita para as atividades de ação. A cerca de quarenta minutos de lancha da costa está a Reserva Biológica do Arvoredo, um dos melhores pontos de mergulho do país, com suas reentrâncias, águas claras e muita fauna e flora marinhas. São comuns as embarcações saírem cedinho e ancorarem no Saco do Engenho. Ali a visibilidade média é de dez metros, conforme as condições climáticas. “A profundidade varia de três a oito metros”, informa o instrutor de mergulho Omar Gonzalvez, que trocou Lanus, na Grande Buenos Aires, por Floripa. “Um pouco mais adiante chega a 23 metros”, completa. Isso facilita a vida tanto dos marinheiros de primeiro viagem como dos expertos em submersão com cilindros. O argentino Pablo Salonio trouxe os filhos Santiago e Augusto, respectivamente de 11 e 14 anos, para fazerem o batismo (primeiro mergulho) nas águas calmas e cristalinas do Arvoredo. “É uma grande experiência de vida”, acredita o pai. Por outro lado, o oficial da Marinha e mergulhador há três décadas Mario Augusto, 40 anos, também gosta de explorar o mundo subaquatico do local. Ele e a esposa Vanise Martines, 39 anos, voltavam das férias em Porto Alegre e programaram mergulhos até chegarem ao Rio de Janeiro onde moram. É claro, incluíram o Arvoredo no roteiro.


A proposta do cicloturismo é praticar um esporte de aventura longe da costa da capital catarinense. Mais que isso. Seguir de bike por trilhas e estradas de chão para conhecer os recantos naturais e culturais de uma Florianópolis que não figura nos roteiros turísticos tradicionais. Portanto, desconhecida para a maioria dos milhares de turistas que nela aportam todos anos. A saída e chegada do grupo é na praia dos Ingleses, no norte da Ilha de Santa Catarina, num trajeto de 28 quilômetros. Aos poucos o cheiro de maresia cede lugar ao de mato. A primeira prova é na subida do morro do Muquém. A vista para praia do Moçambique, Ilha das Aranhas e parte da lagoa da Conceição indicam que o caminho é promissor em paisagens. Vencida esta etapa é hora de pedalar (ou pelo menos tentar) no mato. A quantidade de galhos, pedregulhos e raízes soltas no solo dificultam qualquer ação. O jeito é descer e empurrar a bicicleta.


O surfe foi o começou de tudo em 1986. De lá para cá, a vocação de Floripa para os esportes não pára de crescer


Logo se chega ao povoado de Muquém, no bairro de São João do Rio Vermelho. A única semelhança com o restante da Ilha é o sotaque. Da porta da casa centenária, o seu Modesto, 83 anos, morador do lugar, acena para a caravana de bikers. A sua diversão é contar piadas inocentes, adivinhações e histórias da cidade aos passantes. “Quando a mulher tira a roupa mais rápido?”, questiona ele. “Quando chove, rapaz, daí tira rapidinho a roupa do varal”, responde satisfeito e cai na risada. A prosa com o seu Modesto é substituída pela estrada de chão que leva ao bairro da Vargem Grande. É uma Floripa com modos interioranos, cachorro latindo no portão e carroças trafegando nas ruas. É difícil imaginar que é aquela capital de meio de milhão de habitantes em constante ebulição na alta temporada. A cachoeira da Vargem Grande é o ponto de refrescância do trajeto. Antigamente o rio de mesmo nome fornecia água para a cidade, com o desmatamento nas suas margens foi perdendo volume d’água. A nota triste é o lixo acumulado junto ao curso d’água.


É difícil pensar em Florianópolis e não associar ao surf. Pudera, não faltam picos (bons locais) para a sua prática. Os mais destacados são a Joaquina, Galheta e Lagoinha do Leste, ensina o instrutor de surf e surfista Fabrício Machado, de 30 anos. A cidade é um dos poucos lugares que tem vento de todos os quadrantes. O surf não depende essencialmente do vento, mas da ondulação, o famoso swell. A melhor ondulação para a Ilha de Santa Catarina é de leste, exatamente onde se situam a praias citadas. Não é por acaso que os irmão surfistas Teco e Neco Padaratz ganharam fama internacional. Tinham no quintal de casa as melhores ondas do país. Até o “local” Gustavo Kuerten, tenista tricampeão de Roland Garros, arrisca umas manobras sobre a prancha.


Desde os anos 70, a galera local já se reunia para sessões de surf na Joaquina. Entretanto, em setembro de 1986, quando a praia sediou uma das etapas do circuito mundial de surf profissional, teve o seu nome catapultado para a fama. De uma hora para outra, os locais tiveram de dividir as ondas perfeitas de até 10 pés da Joaca com os forasteiros. Gerando certa rivalidade entre os surfistas da casa e os de fora. “O surf tem regras e muitas vezes o povo de fora não respeitava”, desconversa Fabrício. Alheios a tudo isso os irmãos gêmeos Vítor e Lucas Cohen, 12 anos, vieram de Belém do Pará com a idéia fixa de surfar na meca do esporte no país. A melhor época para surfar em Floripa é no inverno. Portanto, prepare a roupa de neoprene pois a água é geladíssima, perto dos oito graus centígrados.



Manezinho radical

Eduardo Mesquita, o Duda, 30 anos, sandboarder


Quem observa os movimentos tranqüilos e a voz baixa fortemente marcada pelo sotaque ilhéu, não consegue imaginar o Duda arrepiando nas dunas da Joaquina. Começou no surf, passou pelo skate, mas a ficha caiu mesmo quando assistiu um vídeo de sandboard. Ele entrou para a história do esporte ao ser o primeiro atleta a conseguir fazer o front flip, um salto mortal para frente (depois também conseguiria fazer para trás). “Sou um board rider”, define-se. No linguajar dos leigos, significa que topa qualquer esporte com prancha. Pode ser kite, surf, skate, wind, snow e garante que só não pratica o wake devido ao alto custo. Bebe de todas as fontes. “Às vezes nem sei de qual esporte eu sou”, interroga a si mesmo. “Ah, sim sou do sandboard”, diverte-se Duda.



A nova onda do rafting

Sérgio Machado, 37 anos, empresário


Cansado de colocar o bote inflável no carro e seguir até a cidade vizinha de Santo Amaro da Imperatriz, onde pratica-se rafting no rio Cubatão, o empresário Sérgio Machado, 37 anos, quebrou a cabeça até achar uma solução. Resolveu adaptar os equipamentos para as ondas do mar, o bote, por exemplo, é uma espécie de catamarã, com bóias no lugar das quilhas dos botes de rafting. Pronto estava criado o surf rafting, primo marítimo do tradicional. “Percebi que a gente tinha um imenso ‘rio salgado’ bem na nossa frente”, explica Machado, dono da operadora Adrenailha. A nova modalidade – que mescla os dois esportes que lhe cedem o nome – consiste em remar junto à arrebentação e descer surfando as ondas. Agora todo dia é dia de rafting, sem sair da praia dos Ingleses. É a criatividade a serviço dos esportes de ação.

O mundo é o meu lugar

Professor que dá a volta ao mundo de barco. Designer que parte para uma missão humanitária. Engenheiro que pedala todo o litoral. Cada vez mais as pessoas ditas comuns estão experimentando cair no mundo sem pára-quedas, em busca da viagem dos sonhos. É como se soasse a sirene da hora do recreio, cuja diversão pode ser escalar montanhas, navegar mares ou simplesmente mochilar por aí. Claro que isso gera conflitos internos e externos. Não é fácil deixar para trás os compromissos familiares, profissionais ou amorosos. Ir aonde dá na veneta tem um elevado custo emocional. Ainda são raros os casos em que esse pedido de um tempo à vida estável é compreendido. Sempre aparece alguém para dar um motivo para os viajantes guardarem a mochila. Porém, todos têm um motivo para partir. Seja conhecer para novas culturas, folga no trabalho estressante ou simplesmente correr mundo, correr perigos reais ou imaginários. Aliás, os perrengues são um capitulo à parte. Nem tudo são flores no caminho dos aventureiros. Algumas situações fazem até os mais abnegados se questionarem: “o que eu estou fazendo aqui?”. Passado o susto, não é raro o apuro virar piada na roda de amigos ou história para os netos no futuro. A pergunta que não quer calar: vale a pena?

Ana Elisa Boscarioli, São Paulo // Profissão: cirurgiã plástica // Sonho realizado: conquistar o Everest // Tempo investido 60 dias de escalada // Custo aproximado da viagem: 100 mil dólares // Dica: “Estabelecer metas e ter determinação para cumpri-las.”

Quem lê a inscrição “Dra. Ana Elisa Boscarioli” bordada no jaleco da médica, não imagina as mãos hábeis da cirurgiã plástica agarradas às pedras de uma montanha. Regularmente ela deixa os seus consultórios no interior e na capital paulista para escalar. “Eu sempre fui esportista”, garante Ana Elisa, 40 anos. Natação, ginástica olímpica, atletismo, ciclismo e triatlon sempre fizeram parte de sua vida. Entretanto, achava uma loucura as aventuras de seu irmão montanhista. Acordou para o sonho quando participou do trekking ao campo base do Monte Everest, em 1999. “Vi os alpinistas subindo e fiquei fascinada com a paisagem”, romantiza a médica. Pôs na cabeça a idéia de conquistar os 8 850 metros da montanha mais alta do planeta.

De volta ao Brasil, estudou sobre a fisiologia humana na altitude, fez cursos de escalada na rocha e no gelo, e comprou equipamentos. A rotina das consultas e cirurgias ganhou o reforço dos treinos nos fins de semana. Antes de enfrentar o seu maior desafio, escalou o Monte Kala Patar (5 700 metros, no Nepal), o Cerro Illimani (6 490 metros, na Bolívia), e o Aconcágua (6 962 metros, na Argentina). Apenas em 2006 é que se sentiu preparada para encarar o Everest. “Exige muita determinação, treino, organização e preparo psicológico”, diz a cirurgiã plástica.

A médica embarcou na expedição neozelandesa da Adventure Consultants, uma das empresas mais conceituadas em guiar grupos ao topo do mundo. Os nove integrantes – a paulista era a única mulher – usaram cilindros de oxigênio para concluir a empreitada. No dia 19 de maio de 2006, Ana Elisa Boscarioli realizou o seu sonho de conquistar o Everest, pela face sul. “Sonhei com o Everest por sete anos, escalei a montanha por 60 dias e fiquei 15 minutos no cume!”, explicou. De quebra, levou o título de primeira brasileira a escalar o Monte. Nem tudo foi alegria na conquista. Quando voltou ao acampamento no nível dos 8 mil metros, soube do falecimento de seu amigo, o montanhista Vítor Negrete.

A cirurgiã plástica considera que a viagem a fez crescer tanto pessoal como profissionalmente. Pudera, depois de enfrentar as agruras que o Everest impõe, ficar horas em pé na sala de cirurgia soam como música. O que os pacientes pensam das aventuras da médica? “Incentivam e querem sempre saber qual será o próximo desafio”, orgulha-se ela. Aprenderam que entre março e junho a agenda da Dra. Ana Elisa Boscarioli está cheia de compromissos com as montanhas do mundo.

Ao sabor dos ventos

Gaël Bazantay, Saint Josep de Le Cap Ferrat, França // Profissão: consultor financeiro e empresário // Sonho realizado: deu a volta ao mundo de veleiro // Tempo investido: 1 ano // Custo aproximado da viagem: 45 mil euros // Dica: “Não duvide da importância de realizar o seu sonho.”

O consultor financeiro e empresário francês Gaël Bazantay, 39 anos, desde pequeno alimentava o sonho de rodar o mundo num barco a vela. “É uma aspiração muito natural para quem nasceu na Bretanha. Lá aprendemos a velejar muito antes de andar de bicicleta”, conta Bazantay. O estalo para jogar o emprego para o alto e viajar aconteceu depois de sete anos bastante cansativos, quando ocupou o cargo de executivo de riscos financeiros de uma grande empresa em Paris. O trabalho era exigente e complexo. Gaël sentiu a necessidade de tirar um período sabático. Queria transformar todos dias em domingo. Resolveu seguir à risca a música Vagabond (vagabundo), de Henri Salvador, uma espécie de Dorival Caymmi da França. “Profissionalmente um ciclo se concluía, não havia nada que me mantivesse preso àquela rotina”, lembra o francês. Levou um ano planejando com um amigo uma viagem de veleiro.

Em 1999, finalmente, ele atendeu àquilo que os franceses chamam de appel do large (apelo do horizonte) e levantou âncora num veleiro de 47 pés, pouco mais de 15 metros. Muita gente não entendeu como podia deixar um excelente emprego para correr mundo. “Eu queria um amor em cada porto”, brinca Gaël. O destino aprontou das suas. Em Gijón, norte da Espanha, conheceu Thaís, uma paraibana de Campina Grande. Como a moça também sonhava em conhecer o mundo, subiu a bordo. Logo engataram um namoro.

O roteiro incluiu lugares que dá para arriscar a chamar de paraíso: as ilhas caribenhas de Los Roques, Bonaire, Las Aves, Barlovento e o arquipélago de San Blas. “A travessia do canal do Panamá foi fascinante”, garantem em coro Thaís e Gaël. Depois de uma parada em Galápagos enfrentaram uma jornada de três semanas até a Polinésia Francesa, onde ficaram alguns meses.

Nem tudo foi calmaria. Nas Ilhas Marquesas, Thaís pisou num espinho. O hospital ficava a três dias de veleiro, noutro ponto do arquipélago. Nesse tempo, a brasileira sofreu com a febre alta, a dor e o inchaço no pé. Quando finalmente chegaram, o dito hospital se resumia a uma sala e um enfermeiro. “Pelo menos o lugar era limpinho”, diz Gaël Barantay. Porém, a anestesia não pegou e a operação teve de ser a sangue frio. “Foi o momento mais difícil da viagem. Mas a beleza do lugar compensou tudo”, conclui positivamente o consultor financeiro.

A viagem trouxe muitas coisas importantes para a vida do francês. O namoro com Thaís virou um casamento com três filhos. Nem é preciso perguntar se a experiência valeu a pena. “Vou ensinar aos meus filhos o amor pela viagem e pelo mar”, afirma. Na volta do Taiti a Paris, apenas uma questão martelava na cabeça de Gaël: “Como é que eu vou viver numa cidade de novo?”


O mundo em duas rodas

Argus Caruso, Belo Horizonte // Profissão: arquiteto // ao mundo de bicicleta // Tempo investido: três anos e três meses // Custo aproximado da viagem: 21 mil dólares // Dica: “Partir”

Fiel ao estilo conciliador dos mineiros, o arquiteto Argus Caruso, 32 anos, achava que podia cair no mundo sem sacrificar a carreira profissional. E acabou provando que tinha razão, ao sair de Cordisburgo, a terra natal de Guimarães Rosa, para dar a volta ao mundo de bicicleta, e encontrar o mesmo emprego à sua espera ao retornar. No início, porém, poucas pessoas o apoiaram na decisão de dar um tempo nos compromissos. “A parte mais difícil da viagem é partir. A inércia é uma força muito poderosa”, observa.

Quando decidiu viajar, Argus organizou-se para não parecer que estava jogando tudo para o alto. Concluiu a obra em que estava trabalhando e não aceitou novos projetos. Assim que se desembaraçou das tarefas assumidas, partiu. Isso o ajudou a trabalhar na mesma empresa no retorno ao Brasil. Não fez nenhuma preparação especial para encarar as pedaladas por 35 mil quilômetros, em cinco continentes. Adquiriu o condicionamento físico ao longo da jornada. Fazia 30 quilômetros diários, no início, e foi aumentando o ritmo até alcançar a média de 80 quilômetros.

O périplo de Caruso teve dois momentos especiais. O primeiro foi quando viu o Oceano Pacífico e caiu a ficha de que tinha atravessado um continente. O outro foi quando chegou a um lugar que nunca conseguiu definir direito – a Índia. “É um país tão diferente do nosso, na religião, na cultura, no jeito das pessoas, que é como se fosse outro planeta”, compara. No Oriente Médio, as pessoas se espantavam com a distância pedalada por Caruso. Foi nessa região que ele teve a recepção mais calorosa, especialmente na Síria e Jordânia. Isso sem saber falar uma palavra em árabe. Nem de longe percebeu o clima de guerra transmitido pelo filtro dos noticiários da televisão. Ao contrário, todos faziam o máximo para que ele se sentisse em casa. “Quanto mais humilde a pessoa, melhor ela me recebia”, assegura Argus. Ele pode se orgulhar, também, de ter sido testemunha ocular da história no Timor Leste. Passou pela capital Dili, no exato momento em que Xanana Gusmão declarava o país independente.

Claro que a viagem não foi um mar de rosas o tempo todo. No Irã, por exemplo, Argus e Alexandra, a alemã com quem dividiu parte do caminho, foram tomados por espiões pela polícia dos aiatolás. A coisa ficou feia e tiveram de acompanhar os agentes até a delegacia. “Perguntaram sobre a nossa viagem e se tínhamos câmera, notebook ou filmadora.” Mesmo com os esclarecimentos, os ciclistas continuaram sendo perseguidos. Resolveram seguir mais cedo, de ônibus, para a Turquia.

No Egito, conheceu a diretora de um centro cultural francês, que o convidou para participar do projeto “Correspondence film”, com depoimentos de crianças do mundo inteiro. Com uma câmera, uma idéia na cabeça e pedaladas firmes, fez imagens adicionais para o documentário Um filme no meio da viagem. Editou o material na França. “Antes eu era apenas um arquiteto. Agora sou também documentarista, palestrante e tenho um livro de fotografias pronto à espera de uma editora”, contabiliza o mineiro. A viagem também trouxe outras percepções a Argus Caruso. “Aprendi a respeitar mais a natureza e as diferenças culturais”, finaliza. Só sabe quem viaja o mundo.

Caindo na estrada

Fábio Cury, São Paulo // Profissão: administrador de empresas // Sonho realizado: mochilar pela Europa, Ásia e Oriente Médio // Tempo investido: seis meses // Custo aproximado da viagem: 14 mil Dólares // Dica: “Crie o seu próprio caminho pelo mundo.”

Acordar muito cedo e dormir muito tarde, reuniões intermináveis, pressão por resultados, expedientes que comprometiam até os fins de semana. Essa era a rotina do administrador de empresas Fabio Cury, de 32 anos. Ele trabalhava numa multinacional, em São Paulo, quando decidiu pôr a mochila nas costas e viajar o mundo. Achou que precisava dar um tempo para si mesmo e aproveitar a vida, até então confinada às paredes do departamento de marketing da empresa. Tiraria férias para percorrer a Espanha e Portugal, mas percebeu que queria ampliar o roteiro. Não tinha como prolongar o período longe da empresa. O jeito era se demitir. A tarefa nunca é das mais fáceis. “Deu um frio na barriga largar um trabalho de que eu gostava”, confessa Fabio. Apesar do medo, bancou a aposta pessoal e deixou para trás um emprego estável que prometia uma promoção para breve. Ao comunicar a decisão ao chefe, teve a agradável surpresa de ser incentivado por ele a cair na estrada.

Fabio voou para Madri, escolhida como ponto de partida de um roteiro ainda não completamente definido. Logo conheceu gente que estava viajando pelo mundo há meses, sem medo. “Eu me senti um covarde”, exagera Cury. Tomou coragem para sair sem rumo e sem data para voltar. A Espanha foi a primeira parada do trajeto que incluiria 21 países na Europa, Oriente Médio e Ásia.

Na Jordânia viveu situações dignas de cinema. Partiu da capital Amã com um grupo de estrangeiros em direção ao deserto. Queriam conhecer os castelos construídos pelos cruzados na Idade Média. Detalhe: foram de carona num dos muitos caminhões-tanque que circulam na região do Golfo Pérsico. O motorista simpatizou tanto com eles que os convidou para conhecer sua casa. “Comunicávamos-nos em inglês e muitas mímicas”, relembra Fabio. Depois voltavam à capital, mas nenhum caminhão-tanque ou camioneta deu carona. Até que foram resgatados por um microônibus do exército jordaniano. Os aventureiros queriam mais. Decidiram não voltar para Amã naquele dia. Procuraram pelo deserto um acampamento de beduínos. “Nos receberam muito bem, ficamos ali duas noites inesquecíveis”, exulta Cury.

O homem errado, no lugar errado, na hora errada. Essa foi a sensação de Fabio ao visitar a Rússia, quando estourou a crise financeira de 1998. O rublo, a moeda local, sofrera desvalorização. Era impossível sacar dinheiro nos caixas eletrônicos com cartão de crédito. O brasileiro ficou sem grana para pagar o albergue e comprar passagem rumo à Turquia. O pior: seu visto vencia em dois dias. Ao passar pelo Hermitage, viu chegar uma excursão de japoneses. Teve a idéia de comprar filmes na lojinha do museu, o único lugar que ainda aceitava pagamento com cartão na cidade. Vendeu-os com ágio aos orientais e conseguiu dinheiro para a hospedagem e o bilhete. Com essas e outras, a viagem de seis meses trouxe muito aprendizado ao administrador de empresas. “Ela se tornou a viagem dos meus sonhos porque eu não a planejei”, define Fabio Cury. “Permitiu que eu sonhasse com liberdade, sem pressa, sem roteiro, sem hora”, conclui.

Casal Aventura

Helena Pacheco Coelho e Paulo Coelho, São Paulo // Profissões: professora e físico nuclear // Sonhos realizados: Escalar o Aconcágua, o Kilimanjaro e o Mont Blanc // Tempo investido: expedições anuais, de 30 a 60 dias // Custo aproximado de cada viagem: 3 mil dólares // Dica: “Respeite a natureza, os seus limites pessoais e as diferenças culturais.”

Interromper completamente a rotina de trabalho para se jogar no mundo. Paulo Coelho, físico nuclear, pesquisador e professor da USP, 55 anos, e sua esposa, a professora aposentada Helena Pacheco Coelho, de 53 anos, durante vários anos sonharam com isso. Até descobrirem que a melhor forma de fazer isso não era de uma vez só, mas todos os anos, reservando o período de férias para roteiros de muita ação. Como a paixão dos dois era a escalada, passaram a desafiar montanhas em série, desde os anos 70, e continuam assim até hoje. Já viram o mundo do cume do Aconcágua, do Mont Blanc e do Kilimanjaro, e sonham em conquistar o Everest. Em 1991 chegaram perto disso, durante a primeira expedição brasileira sem oxigênio à montanha mais alta do mundo.

Escalam sempre da mesma forma. “Sem guia, sem cilindros de oxigênio e com recursos próprios”, orgulha-se o físico nuclear. Não fosse por essa filosofia, talvez não tivessem de abdicar da conquista do Everest quando estavam a 8 300 metros de altitude, a apenas 550 metros do cume. “Ofereceram oxigênio para que continuássemos, mas preferimos voltar”, lembra o montanhista, para quem a vida vale muito para ser desperdiçada no capricho da conquista a qualquer preço. “O importante é o caráter esportivo da escalada, respeitando nossos próprios limites”.

A viagem mais marcante para o casal nem foi ao Everest, mas ao Mont Blanc, entre Itália e França. Mas por que a montanha européia se eles já andaram em outros lugares mais altos e de mais difícil acesso? “O alpinismo começou ali, por isso o lugar sempre me atraiu”, explica Paulo. Em agosto de 2000, aconteceu a empreitada que teve a companhia de Klaus, um amigo alemão e também escalador. Os escaladores pretendiam alcançar o cume em três dias. O mau tempo fez com que esperassem por melhores condições num refúgio com dezenas de montanhistas do mundo inteiro. “O pior era dormir numa cama dupla onde tinham de caber três”. Finalmente as condições meteorológicas melhoraram e o trio pôde finalizar os 4 807 metros do Mont Blanc.

A vida de alpinista está sujeita a surpresas. Na escalada ao Everest, o casal Paulo e Helena enfrentou nevasca, ventos fortes e temperaturas de 30 graus negativos. Estavam a 7 500 metros de altitude, perto do local onde acampariam, quando o tempo virou – fato corriqueiro no alto das montanhas. Além disso, a ventania impedia-os de montar a barraca que traziam às costas. “Nossa única saída foi se embrulhar na barraca”, ri Paulo Coelho ao relembrar o acontecimento. A presença de espírito nesses momentos pode significar a vida ou a morte. Só depois de duas horas sob condições extremas, o tempo melhorou e os dois conseguiram armar a cabana.

As viagens mudaram muita coisa na vida de Paulo e Helena Coelho. Além de conhecer os próprios limites em situações adversas, aprenderam a respeitar cada vez mais a natureza e a entender a importância relativa das coisas. Na caminhada rumo ao topo do Monte Roraima, por exemplo, perceberam como a passagem do tempo pode ser entendida de modo tão diferente por outra cultura. “Os índios que estavam conosco simplesmente não ligavam para o tempo decorrido. Isso você só aprende viajando”, diz Helena.

Aventura na rota de ninguém

Num catamarã sem cabine e sem motor, dois velejadores vão do Chile à Polinésia pela rota que barco nenhum quer fazer

Ao verem a terra firme se distanciar até o catamarã Bye Bye Brasil virar uma ilha cercada de Pacífico por todos os lados, Beto Pandiani e Igor Bely sentiram-se aliviados. Os últimos dias da preparação para a travessia do maior oceano do mundo não tinham sido fáceis. O trabalho na montagem final do barco, a liberação pela Marinha Chilena e os reveses meteorológicos, que adiaram a partida em três oportunidades. Isso sem contar a tensão pré-viagem. “Como nas viagens anteriores, senti medo antes de colocar o barco n’água, depois passou”, garante Pandiani. A ansiedade era uma tripulante indesejada, porém inevitável. Será que a embarcação agüentaria? Como seria o tempo em alto-mar? O corpo suportaria os dias exaustivos e as noites sem dormir direito? Haveria os temíveis tubarões pelo caminho? As perguntas eram muitas e as respostas, poucas. Outro fator que trazia uma dose extra de desafio à aventura. O caminho é uma rota de ninguém. Quase nenhuma embarcação percorre o caminho entre o Chile e a Polinésia Francesa nesta altura de paralelo, quer sejam veleiros, quer sejam navios mercantes. Em outras palavras, qualquer resgate poderia levar horas, talvez dias. Por isso, o grande número de equipamentos de comunicação e de orientação a bordo, que incluía GPS, telefones via satélite e notebook. Agora todas as preocupações ficaram para trás como os picos nevados da Cordilheira dos Andes nevada, a última visão que a dupla teve do continente.

O dia da partida na cidade chilena de Viña del Mar estava perfeito: ensolarado, céu azul, ventos de 12 nós favoráveis e mar calmo, porém fazia frio. Não houve sobressaltos, conforme previra o meteorologista Pierre Larsnier, uma espécie de São Pedro da equipe. Diretamente da França, ele deu sinal verde para o desafio, mas aconselhou a mudarem de rota. Deveriam seguir até a Ilha de San Felix para só depois descerem a Páscoa. Por causa do fenômeno El Niño, os ventos Alísios de Sudeste, uma constante na região, estavam soprando na posição mais ao Norte. Em tese, essa operação garantiria ventos regulares, mas com aumento considerável do trajeto. Enquanto isso, a fotógrafa Maristela Colucci e os cinegrafistas Dudu Teiman e Maurício Porto tomavam um avião para a ilha chilena, onde organizariam a base de apoio da aventura.

Nem tudo foi mar de almirante. A mesma noite fria e sem lua que cravejava o céu de estrelas, parecia multiplicar a solidão em alto-mar. Os navegadores se revezavam em turnos de duas horas junto ao timão. O sono não passava de cochilos na barraca com a cabeça para fora e amarrado por um cabo para não cair na água. O cansaço na manhã seguinte era evidente. Eles sabiam que a adaptação seria lenta. Até que aconteceu o pior dos pesadelos de qualquer velejador: faltou vento. Foram 20 horas de calmaria. E como uma dificuldade nunca vem sozinha, Beto, desgastado pela primeira noite, passou mal. Nada grave. Contudo, no meio do oceano, as coisas ganham outra dimensão. “Pensei: o que estou fazendo aqui?”, relembra Pandiani. O companheiro segurou as pontas: dessalinizou água, preparou a comida, transmitiu dados pelo notebook acoplado ao telefone via satélite e conduziu a embarcação.

Os dias seguintes foram de ventos fortes, mar mexido e temperatura baixa. A rotina a bordo transformou-se numa montanha russa gélida e molhada. A água salgada varria o convés do barco a todo instante. Até coisas simples como abrir a gaiúta para pegar mantimentos era uma tarefa difícil. Dormir também converteu-se numa aventura e tanto. “Minha barraca entrou água a noite toda”, conta Beto. Ainda esperavam os Alísios previstos por Pierre, que trariam ventos favoráveis e calor. Apesar dos percalços da vida marinha, ao passarem ao largo da ilha de San Felix, reportaram via rádio as boas condições a bordo ao destacamento da Marinha Chilena.

Um dia depois, a dupla descobriu que a caixa de leme estava trincada. A solução foi baixar as velas e fazer o conserto. Igor improvisou dando voltas com o cabo espectral para reforçar a peça de alumínio. Caso o remendo não funcionasse, o barco ficaria se direção. O ritmo da viagem teve de ser diminuído consideravelmente. Avisada pelo telefone via satélite, a equipe em terra já providenciava um soldador na Ilha de Páscoa.

Existe uma grande diferença entre a Travessia do Pacífico Sul e as outras aventuras de Beto Pandiani. Agora a empreitada é em mar aberto, longe do continente. O catamarã é apenas um pontinho no meio da imensidão oceânica. As dificuldades têm de ser superadas com jogo de cintura. Por exemplo, não dá para ancorar para consertar o barco num estaleiro. O jeito é se virar com o que tiver na hora. A presença de espírito é fundamental. “Vale mais a atitude mental que a força física”, ensina Pandiani. A vida a bordo é espartana. O segredo é se realimentar com pequenos momentos de felicidade que a viagem proporciona como uma paisagem espetacular ou um belo pôr-do-sol. Ou até mesmo dos instantes quase felizes. A dupla viu a corcova de baleia e muniu-se câmera de vídeo e fotográfica para registrar o fato. “Ela nos driblou e não apareceu mais”, diverte-se Beto Pandiani.

Pouco a pouco, o frio deixa de ser um inimigo constante. O mesmo não acontece com a falta de vento. A dupla navega em ziguezague em busca das melhores posições das correntes de ar, segundo as orientações do meteorologista Pierre. Cumprem cerca de 150 milhas diárias. Se o catamarã fosse em linha reta, essa distância não passaria de cem. Somado ao problema da caixa de remos isso representa um pequeno atraso no cronograma da chegada. A vida no Bye Bye Brasil adquire ares caseiros. Os navegantes preparam a comida liofizada – um tipo especial de alimento desidratado – na microcozinha, ouvem as 15 mil músicas armazenadas no Ipod e lêem. Com o piloto automático ligado, Pandiani devora “O longo caminho” de Bernard Montessier enquanto Igor lê um exemplar cuja tradução do título francês é bem sugestiva: “Mas... O que eu estou fazendo aqui?”. A biblioteca de bordo ainda conta com mais dois livros. Eles também tentaram pescar, mas sem sucesso.

A adaptação ao cotidiano embarcado não impedia que Bely e o colega de travessia sonhassem com roupas secas, saladas variadas, cama confortável ou banho quente. Porém, antes de ancorarem em Páscoa, a dupla enfrentou tempestade e dias nublados. Isso os obrigou a mudar a matriz energética da embarcação. As placas solares deram lugar ao dínamo hidráulico, que jogado à água, gerava força para os equipamentos eletrônicos. Aliás, o Bye Bye Brasil consome apenas energia limpa. Desde o combustível para os aparatos eletrônicos até na sua propulsão à vela.

“Beto, olha em frente!”. Depois de quatro mil quilômetros, 18 dias velejados e pequenos contratempos, Igor contava a boa-nova: Ilha de Páscoa à vista. A chegada foi com pompa e circunstância. A dupla foi recebida no mar por uma comitiva de remadores de pironga, cujo campeão local da modalidade subiu a bordo e deu as boas-vindas em Rapa Nui, a língua nativa. A emoção aumentou ainda mais no reencontro com a equipe de apoio Maristela, Dudu e Maurício. Em terra firme, um sem-número de homenagens envolto num grande de espanto. Os navegadores tinham realizado um feito e tanto. Este tipo embarcação é usada somente em regatas costeiras nunca travessias complexas como essa. De certa forma, o catamarã fez a viagem de volta para casa. Afinal, a possessão chilena no meio do Oceano Pacífico faz parte do conjunto de ilhas da Polinésia, lugar onde nasceu esse modelo de barco.

Os velejadores e a equipe de apoio foram acolhidos pela numerosa família de Tito Atan, que ofereceu um banquete de recepção. “O barco é um embaixador”, filosofa Beto Pandiani. Acredita que se chegasse como um turista nunca seria recebido da mesma forma. Muito menos ficaria numa casa Rapa Nui no vilarejo de Atan Pakarati, um lugar gramado no alto da montanha com vista privilegiada para o mar azul. “A família que nos ciceroneou pela ilha, contou seus costumes e até nos apresentou aos amigos”, festeja a fotógrafa Maristela Colucci. Enquanto a caixa de lemes do barco era soldada eles aproveitavam os passeios pela Ilha de Páscoa. Depois de 15 dias, acercava-se o momento da partida.

A hora de dizer adeus não foi fácil. “As partidas são sempre muito duras”, confirma Maristela. Ainda mais num lugar onde conviveram intimamente com os moradores, que subiram no alto do vulcão Rano Raraku para ver o barquinho sumir no horizonte. Igor e Beto estavam de volta ao mar, salgado mar. Desta vez seriam pouco mais de dois mil quilômetros até Mangareva, metade da distância percorrida na primeira perna da viagem Viña-Ilha de Páscoa. Como de praxe, a equipe de apoio voou para o destino seguinte da Travessia. Os dois primeiros dias de retomada foram de vento calmo, muito sol. O calor era o terceiro passageiro do catamarã. A temperatura média alcançou os 32 graus centígrados. A única coisa refrescante eram os banhos de balde com água do mar.

Vencer o tédio é outro desafio das travessias de longo curso. Não tem novidades no horizonte. Os dias se sucedem com a onipresente paisagem da massa oceânica. Por isso, a afinidade entre os navegantes é fundamental para suportar a opressão deste deserto de água. Infância, crise econômica mundial, futebol, piadas de papagaio: todos os temas são visitados. Contudo, chega uma hora em que não tem mais assunto. Pandiani recorda um desses instantes. Ambos passaram o dia calados, quando, ao cair a noite, Igor puxou conversa. “Está bem friozinho, né, Beto?”. O outro, sem tirar os olhos do mar, respondeu: “É”. E o papo ficou por aí. A viagem interior é muito mais profunda que a viagem em si.

A 300 quilômetros de Mangareva um fato trouxe novo movimento à rotina de Igor e Beto: descobriram uma rachadura na travessa frontal do barco. Esta é peça que mantém os dois cascos paralelos e unidos. Portanto, fundamental no catamarã. O risco da embarcação se desmanchar era iminente. O pior só não aconteceu porque a estrutura das asas adaptadas ao Bye Bye Brasil segurou as pontas. A solução foi improvisar outra vez com o cabo espectral para evitar que a combalida travessa se rompesse em definitivo. O pessoal de apoio em terra foi avisado e acionou as autoridades. “Mobilizei toda a Ilha de Mangareva e ligava para eles cada quatro horas pelo telefone via satélite”, relata Maristela Colucci.

A Marinha Francesa monitorou a embarcação por rastreador. Estava a postos para entrar em ação, mas com uma ressalva. O resgate se resumiria aos tripulantes. O catamarã com todos os materiais e equipamentos ficaria para trás. Os dias seguintes foram de pouca vela devido aos ventos de até 35 nós que sopravam. Mesmo assim a velocidade era muito alta para um barco avariado. “Jogamos uns 100 metros de cabo na água para fazer arrasto e freá-lo um pouco”, conta Pandiani. A cama de Beto ficava do lado defeituoso. O jeito foi revezar a barraca com Igor no turno da noite.
Apesar dos problemas, a confiança em chegar ao destino seguia inabalável. Beto repetia mentalmente o mantra: “Este barco vai chegar a Mangareva”. Após o perrengue, aportaram sãos e salvos na pequena baía da ilha Polinésia escoltados pela Marinha Francesa. No píer, foram recebidos com aplauso por um pequeno grupo de pessoas. Entre eles, a equipe de apoio e a prefeita do lugar. O primeiro capítulo da Travessia do Pacífico Sul programado para terminar no Taiti ancorou em Mangareva. Mas, com tantas emoções fortes, ninguém se importou.