domingo, 5 de abril de 2009

Um pobretão na Suíça brasileira

Foto: Eduardo Albarello
Nosso repórter aproveitou o melhor de Campos do Jordão gastando pouco ou (acredite) nada


Badalada, elegante, luxuosa, européia, bem freqüentada e cara. Muito cara. Todos esses adjetivos cabem a Campos do Jordão. Encarei o desafio de montar um roteiro com o melhor da Suíça Brasileira para gastar pouco ou quase nada e me sentir um verdadeiro Onassis, mesmo só com trocados no bolso. Minha primeira dor de cabeça foi encontrar onde ficar. Depois de uma busca na internet, encontrei uma pousada que se enquadrava no meu perfil. Para poupar interurbanos, mandei e-mails solicitando um pacote de quarta a domingo. Recebidas as respostas, cruzei as informações levando em conta a estrutura, os serviços oferecidos, a proximidade com a Vila Capivari, onde fica o buchicho, e o valor de cada um. Escolhi a pousada Ararinha Azul (Rua Paulo Rabello Dubieux, 391, Vila Jaguaribe, 12/3664-3756). O pacote saiu por 505 reais para casal, com café-da-manhã e sem custo de serviços.


1º dia - A viagem e o Palácio Boa Vista


No terminal Tietê, em São Paulo, embarco no ônibus (sim, fui de ônibus) para Campos do Jordão. A viagem custou 28,45 reais, um pouco mais do que eu gastaria só com os pedágios se fosse de carro. Na bagagem, além de roupas de frio, levei um livro de Marçal Aquino, o meu inseparável tocador de mp3 e um pacote de biscoitos, caso batesse a fome no meio do caminho. Chegando lá, o dono da pousada foi buscar-me na rodoviária. A gentileza livrou a grana do táxi. A sorte também faz a gente economizar.


Depois de instalado, saí para conhecer o Palácio da Boa Vista (Avenida Doutor Adhemar de Barros, 3001, Alto da Boa Vista, 12/3662-1122), museu e residência de inverno do governador do estado. Uma corrida de táxi sairia por 15 reais. Descobri que a linha de ônibus Boa Vista passava pelo meu destino e custava 1,75 real.


Construído entre 1938 e 1964, o prédio em estilo inglês impressiona por seus 105 cômodos e sua imensa torre de observação. Pago o ingresso de 5 reais, com direito a visita guiada. As atrações são as obras de Victor Brecheret, Anita Malfatti, Tarsila do Amaral, Di Cavalcanti, Bruno Giorgi, entre outros artistas. Além do mobiliário dos séculos 17 e 18, outras antigüidades e objetos religiosos. Nos jardins, o melhor é a vista para a serra e a Pedra do Baú. Tive de voltar a pé. O ônibus só passaria dali a cerca de uma hora. Percorri, então, os 3 quilômetros do trajeto, com vista para cidade.


2º dia - Passeio a Santo Antônio do Pinhal


Na estação de trem da Vila Capivari, comprei o bilhete de 30 reais para o passeio a Santo Antônio do Pinhal, a 29 quilômetros de Campos. Fiz um esforço no orçamento, porque a viagem vale a pena. O vagão é simples, sem aquecimento interno e as poltronas não chegam a ser desconfortáveis. Os cerca de 40 lugares estavam quase todos ocupados e nem era um fim de semana. Portanto, recomendo reservar o passeio com antecedência.


Depois de cruzar a cidade, o trem começa a percorrer a Serra da Mantiqueira. Lá do alto, dá para ver o Vale do Lajedo, a Pedra do Baú e o Palácio Boa Vista. Construída a partir de 1910, a Estrada de Ferro de Campos do Jordão tem o ponto ferroviário mais alto do país (1 743 metros de altitude). Ela foi idealizada pelo médico sanitarista Emílio Ribas para transportar portadores de doenças respiratórias ao alto da montanha, onde seriam tratados. A partir dos anos 70, passou a ser utilizada basicamente por turismo.


O trem faz uma parada de poucos minutos na estação Tanaka, quando sobe a bordo dona Teresa Tanaka para vender seus origamis (R$ 5) e pinhões cozidos (R$ 5). Depois, segue até a pequena gare de Santo Antônio do Pinhal. A garoa e o vento fazem a sensação térmica ser de zero grau. Encolho-me dentro do sobretudo e saio para tomar um chocolate quente por 3 reais, a metade do preço em Campos. Na parada de 30 minutos, dá para comprar suvenires e produtos naturais nas lojinhas da estação.


Depois de duas horas e meia, o passeio termina na estação da Vila Capivari. Aproveito para almoçar ali, no bairro mais badalado da cidade. Quase desisto quando vejo os preços dos restaurantes. Daí, lembro da dica do José, recepcionista da pousada e procuro pelo restaurante Truta & Cia. (Avenida Diogo de Carvalho, 47, Vila Capivari, 12/3663-4688). O self-service custa só 9,90 reais. Nos arredores, só encontrei pratos desde 25 reais.


3º dia - Passeio de bicicleta até o Horto Florestal


O dia ensolarado colaborou para a minha decisão de alugar uma bicicleta para conhecer o Horto Florestal. Antes, passo no supermercado, compro pão, queijo, peito de peru e requeijão. Na loja Pedal Shop (Avenida Brasil, 108, loja 10, Vila Capivari, 12/3663-8346), alugo uma bike. O valor do aluguel: 10 reais a hora. "Na alta temporada chega a 15 reais", segreda a balconista.


O trajeto de 13 quilômetros até o Horto é asfaltado e bem sinalizado. Mas não se iluda. É puxado e exige bom preparo físico. Logo na saída da Vila Capivari, é preciso enfrentar uma ladeirona de respeito. O cheiro de mato e o barulhinho d'água do riacho ao lado da estrada oferecem uma recompensa pelo esforço. Depois de 50 minutos de pedaladas nem sempre firmes, chego ao destino. A entrada custa 3 reais por pessoa.


O Parque Estadual do Horto Florestal de Campos do Jordão justifica o nome e sobrenome. São 80 quilômetros quadrados de área verde, com lojinha de artesanato, lanchonete, playground, lago, churrasqueiras e espaço para piquenique. Existem trilhas no meio da mata ao redor do parque. Sem condições para qualquer tipo de esporte, deito na grama e aproveito o solzinho de outono. Em seguida, tiro o meu sanduba da mochila e como ao som dos passarinhos. Aproveito também para ler. Parto só quando a tarde ameaça baixar. Não vejo a hora de tomar um banho quente na pousada e relaxar na cama quentinha.


Na chegada à cidade, o frio me recebe: 6 graus (e ainda era outono). Seguindo outra dica do recepcionista José, vou ao restaurante San Giovanni (Avenida Januário Miraglia, 2458, Vila Jaguaribe, 12/3662-4486). Nem acredito, truta por 14,50 reais! No fervo da Vila Capivari encontrei por estratosféricos 38 reais. Peço uma truta com amêndoas e uma taça de vinho da casa para enfrentar o frio.


4º dia - Arvorismo no Bosque do Silêncio


Antes de qualquer coisa: tenho medo de altura. Feito esse desabafo público, fui ao Bosque do Silêncio para fazer arvorismo: andar em passarelas de até 20 metros de altura entre as árvores. Na central de atendimento da agência Altus (Avenida Brasil, 108, loja 1, Vila Capivari, 12/3663-4122) descubro que o preço da atração também está nas alturas. O circuito completo sai por 85 reais. Mas existe a possibilidade de fazer o meio percurso, que sai por 55 reais. Faço as contas e aceito. Pretendia usar o troco na badalada noite da cidade. Quem sabe uma cerveja no Baden Baden (Rua Djalma Forjaz, 93, Vila Capivari, 12/3663-3610). Eu também sou filho de Deus.


O Macaco-Prego, nome de batismo do meio percurso, possui 16 travessias e, para chegar até seu início, é preciso fazer uma caminhada de dez minutos no meio da mata. Antes, é preciso colocar o equipamento e ouvir as dicas de segurança dos guias Zara e Kiko. No meio do caminho, avistamos esquilos nas árvores. Quando chegamos à altura ideal, o primeiro desafio: uma tirolesa. Aos pouquinhos as dificuldades das travessias aumentam. Até chegar o momento em que me perguntei o que estava fazendo ali.


5º dia - Noitada Baden Baden


São quase 22 horas. Embarco no último ônibus urbano em direção à Vila Capivari. Resolvi cair na badalada noite de Campos do Jordão. O problema é que levo apenas 50 reais no bolso. O que em outras cidades seria uma quantia razoável, aqui mal dá para a gorjeta do garçom. Nesse orçamento ainda é preciso caber o dinheiro do táxi. Ou voltar a pé em um frio de 10 graus, conforme marca o relógio de rua. A paisagem dos prédios em estilo enxaimel passa pela janela do coletivo nos dois quilômetros até o destino. As luzes da Rua Djalma Forjaz lembram uma Las Vegas misturada com construções alpinas em plena Serra da Mantiqueira. É impossível não fazer comparações. O vaivém de pessoas não pára. As calçadas lembram uma passarela de modismos - e caras e bocas. A cada minuto, a fila de automóveis aumenta em progressão geométrica.


A Cervejaria Baden Baden confirma a fama de centro da badalação. Tenho dificuldade em encontrar um lugar para sentar. O garçom aproxima-se com o cardápio. Abro e assusto-me, claro! Os valores das cervejas são acima dos dois dígitos. Bem, se é para pagar caro, que seja com a melhor da casa. Peço ajuda ao garçom para escolher. Ele, sem titubear, crava na Red Ale. Imediatamente os meus olhos correm à direita da carta para saber o preço: 13,80 reais. Antes de confirmar o meu pedido, reviso a carteira para não ter de lavar pratos à saída. Depois de pagar o ônibus, tenho exatos 48,25 reais. Mando vir a cerveja. Enquanto espero, folheio o menu por mera curiosidade. Um susto, outro e mais outro. Só o prato de truta com amêndoas consumiria quase todo o dinheiro que tenho no bolso, sem contar os 10% de serviço.


O funcionário traz a cerveja com a eficiência digna da Suíça Brasileira. A bebida vale cada centavo. Muito esperei e poupei por esse momento. A calefação faz o clima ficar agradável. A moça da mesa ao lado não tira os olhos. Não, ela não queria nada com este pé-rapado. Percebi que é de praxe as pessoas ficarem se olhando para ver se encontram algum famoso. Nem que seja um ex-BBB, ou uma protagonista de comercial de TV.


O garçom pergunta se queria beliscar alguma coisa. É, querer, eu queria, porém prefiro investir na cerveja. Afinal, era o meu bota-fora. Quando percebi, já tinha virado a terceira garrafa. Faço rápidos cálculos mentais e vejo que é hora de parar. Pago a conta de 45,54 reais - já com o adicional do garçom, que, pela cara, não gostou nada da quantia que lhe deixei. Restaram, agora, míseros 4,46 reais. Não sobrou nem para o táxi. O jeito é voltar a pé à pousada. Chegava ao fim o meu momento Onassis.



Dicas mãos-de-vaca


- Em diversos pontos da cidade são vendidos pinhões cozidos a 5 reais, mas em banquinhas na avenida próxima ao quartel do Corpo de Bombeiros e da Polícia Militar o valor cai para 1 real.

- A dona Teresa Tanaka vende conjunto com 12 origamis por 5 reais.

- O self-service do restaurante Truta & Cia. sai por 9,90 reais. Você come à vontade. O preço é fixo e nem precisa pesar. Isso em plena Vila Capivari.

- As pousadas localizadas nas vilas Abernéssia e Jaguaribe são mais baratas que as próximas ao centrinho da Vila Capivari.

- Os restaurantes das vilas Jaguaribe e Abernéssia também têm preços mais acessíveis que os similares da Vila Capivari.