domingo, 5 de abril de 2009

Barcelona lado B

Para os espanhóis ir de copas é sair na balada sem destino certo. Foi isso que nosso repórter fez para descobrir a nova noite da capital catalã. Conheça os lugares descolados de uma das cidades mais badaladas da Europa.


Imagine a seguinte situação. Você está em Barcelona. Já visitou a Sagrada Família, o Park Güell, a Catedral gótica e todos os museus. O momento é crítico. Você está pensando seriamente em dar uns sopapos no primeiro guia que cruzar o seu caminho. Calma, nada de pânico, a Playboy vai levá-lo para um local seguro, longe do turismo convencional. Faremos que os espanhóis mais apreciam na noite: ir de copas. O que, em português castiço, seria encher a cara por aí. E a melhor forma de fazer isso é usando o metrô. Bem-vindo a bordo.

Descemos do metrô na estação Plaça Catalunya (linha 3 – verde ou linha 1 – vermelha), seguimos pela carrer Tallers. Estamos penetrando no território do Raval, antigo bairro chinês, que se tornou o reduto canalha, multicultural, cool, insalubre e cosmopolita de Barcelona. O vaivém de gente é incessante nas ruas estreitas, ladeadas por casarões centenários. Vendedores de cerveja, universitários, prostitutas, moderninhos, traficantes, músicos tocando um flamenco tosco, drag queens, Mossos d’Esquadra (PM local), ciclistas e imigrantes sin papeles. No meio dessa fauna ainda tem os moradores. Não é raro os flyers dos bares avisarem que é zona residencial: respecteu el descans dels veïns (“respeite o descanso dos vizinhos”, em catalão). É a velha política da boa vizinhança. Nas redondezas também estão os modernos Museu d’Art Contemporani de Barcelona (MACBA) e o Centre de Cultura Contemporánea de Barcelona (CCCB), dois dos espaços culturais mais ativos da Europa. Só por isso já vale uma visita.

Restaurante Soho

A nossa primeira parada é no restaurante árabe Soho. Vamos fazer uma boquinha antes de começarmos a beber. A primeira coisa ao entrar no recinto é tirar os sapatos. Essa é uma norma da casa para os comensais. “É por causa dos tapetes persas”, explica a síria Rahaf Kajouj, dona do lugar. Portanto, certifique-se que ao realizar essa operação não vai asfixiar as narinas alheias. O restaurante tem dois ambientes distintos. Um logo na entrada e outro no mezanino. A parte de cima é a preferida dos freqüentadores.

O esquema do Soho é de bufê. Sai por € 7, uma mixaria por estas bandas. Você pode escolher entre um prato com carne que inclui shawnma, salada, falafel, humos e pão. Ou ainda num cardápio mais natureba, onde o shawnma (filetes de carne) é substituído por um bolinho feito de vegetais. Se você não é vegetariano, sugiro que fique com a primeira opção. O restaurante é cheio de mesinhas redondas e baixinhas. Todo mundo senta-se no chão, sobre as almofadas de couro. “Serve também para mostrar que somos iguais”, filosofa Kajouj. Para completar, você pode pedir chá de menta (€ 1,50).

Granja de Gavà

Do meio da rua avisto uma gordinha sobre o balcão do bar. Escolho o Granja de Gavà para abrir os trabalhos etílicos por causa dessa escultura de papel marchê. Enquanto bebo uma cerveja (€ 2,50) pergunto como ela foi parar ali. A história da gorda é simples, garante a proprietária Montse Sancho. Ela é resquício da decoração da pizzaria de uma amiga. Quando o negócio naufragou, a gordinha escultural acabou no bar. A figura rechonchuda agradou a freguesia e se tornou o símbolo do Granja de Gavà.

O bar funciona das 8h da manhã às 3h da madrugada, com públicos bem distintos. Logo cedo serve café para os trabalhadores braçais, moradores do Raval. Ao meio-dia, almoço para os estudantes das universidades Ramon Llull e Barcelona – em sua maioria guiris, como os locais chamam os europeus de países mais ao norte do continente como Alemanha, Holanda ou Noruega. No cardápio, um prato de salmão com camarões, aspargos e queijo derretido por € 9,90. Mas é à noite que o rodízio de pessoas se faz notar. Muitas dão uma passadinha ali, bebem alguma coisa e vão para outro bar continuar a peregrinação noturna. Às vezes a visita não dura mais que 20 minutos. Ir de copas, sem destino certo, é o esporte preferido em Barcelona.

“Conheço a minha sexualidade como a palma da mão”. O que poderia ser um desabafo sincero deste repórter, na verdade, não passa de uma frase escrita na parede do bar. São centenas delas espalhadas. É que duas quartas-feiras por mês acontecem saraus de poesia no recinto e os donos deixaram que os participantes imortalizassem seus versos na parede. Se você quer participar é muito simples, traga uma poesia própria ou do seu autor preferido.

Seguimos a movida etílica e partimos do Granja Gravà sem deixar versos de despedida na parede. No meio do caminho encontramos o parisiense Rafael Zerbib, que pergunta se sabemos de algum lugar bacana. Ah, isso também é comum, a troca de dicas com pessoas que você nunca viu mais gorda. Rafael está em Barcelona para estudar o idioma de Penélope Cruz. Tomou a decisão depois de assistir o filme Albergue Espanhol e resolveu ter a sua própria experiência. Com ele, um grupo de universitários da Letônia, Suécia, Uganda, e, é claro, do Brasil.

La Concha del Barrio Chino

Antes de qualquer coisa, saiba que o La Concha del Barrio Chino é uma homenagem a Sarita Montiel. Tem um pouco da atriz de “La Violetera” em cada canto do bar. As fotos cobrem as paredes: Sarita rindo, Sarita chorando, Sarita posando com cigarro entre os dedos, além, é claro, de pôsteres de seus filmes e autógrafos. Alinhados no balcão, vários senhores sessentões bebericam tranqüilamente suas copas. Estão ali para ouvir os boleros rasgados que saem das caixas de som. Esta noite é dedicada ao gênero latino-americano e a casa enche.

Mas não pense que é uma espécie de clube da terceira idade. Ao lado desses honrosos idosos, transita uma variedade humana que vai de estudantes estrangeiros, imigrantes, barceloneses a fim de um programa diferente e até drags queens. No fundo do bar, jovens passam o seu narguilê (€ 7,00) como se fosse o cachimbo da paz.

No quesito bebidas, a lista é extensa. Pode ser um chá por € 1,50, a cerveja custa € 3,00 ou vinhos a partir de € 15,00. Até a brasileiríssima caipirinha figura por € 6,00. É comum gente de todas as faixas-etárias fazer fila na porta para entrar. A casa começa a funcionar às cinco da tarde, mas o horário de rush é lá pelas onze da noite. Portanto, se você for a fim de conhecer o bar fique esperto com o horário. O La Concha é um pouco o resumo do Raval.

Marsella Bar

O burburinho e a multidão na esquina das carrers Sant Pau e Sant Ramón anunciam. Você está chegando ao Marsella, bar com relevantes serviços prestados aos bêbados de todo o mundo. Pudera, funciona desde 1820. A linha de frente dos habitués era composta por artistas, marinheiros, prostitutas, boêmios e toda sorte de vagabundos. A gente não poderia ficar de fora. A clientela de hoje é composta basicamente por jovens e estudantes estrangeiros do Eramus (programa de intercâmbio estudantil da União Européia). O simpático porteiro Juan tenta, sem sucesso, pôr ordem na entrada. Lá dentro, o cheiro forte de cigarro e a falta de espaço para se mexer nos dão as boas-vindas. Com o tempo você se acostuma e consegue perceber a rica decoração modernista. Os espelhos gastos, candelabros e o curiosíssimo cartaz “Prohibido cantar” já viram muita gente passar por ali. Contam que Miró, Picasso, Hemingway e Gaudí iam ao bar abrir a cabeça com o potente absinto. Esse é o grande chamariz do Marsella, batizado com esse nome graças ao marselhês que o fundou. Fez mais que isso: introduziu a bebida alucinógena que virou a imagem do lugar.

Abro espaço entre as pessoas, chego ao balcão. O absinto custa € 3,50 vem acompanhado por um cubo de açúcar e uma colherinha. O atendente pergunta se quero uma garrafinha de água mineral (€ 1,30). Respondo que não. No primeiro gole, literalmente peço água para agüentar o tranco. Não é para menos são 70º de teor alcoólico. Claro que você pode pedir uma simples cerveja, mas o bacana é entrar no espírito do lugar. Um absinto puxa um amigo que puxa outro. É comum ver grupinhos provando a bebida. A bolonhesa Giulia Peragine conheceu o bar com o namorado Agostino Di Tommaso. Agora trazem o amigo argentino Sebastián Dominguez. “Nunca tinha tomado absinto, achei um pouco doce e forte demais”, garante o rapaz estudante do Observatório de Cine, uma das mais conceituadas escolas da sétima arte na Espanha.

É hora de levantar o acampamento. Sigo até o Maumau, que fica no bairro de Poble Sec, separado do Raval pela avenida Paral.lel. No meio do trajeto avisto um gato preto gigante caminhando pela rambla do Raval. Acho que o absinto me deixou com alucinações. Nada disso. É apenas uma escultura de Botero.

Maumau Underground

O Maumau Underground é uma antiga fábrica transformada num imenso lounge. É ponto de encontro de gente bonita interessada em cinema, videografismo, quadrinhos e música boa. O nome do lugar é uma homenagem a um dos líderes da luta pela independência do Quênia diante da Coroa Britânica. Mas também pode ser uma referência ao território mau-mau de Taxi Driver, filme de Martin Scorcese estrelado por Robert De Niro. Você escolhe o que mais lhe agrada.

O bar se auto-define como Urban & Soul Funk music + Laid-back atmosphere + Underground attitude. Seja lá o que tudo isso queira dizer, pode ter a certeza que seus donos acertaram em cheio na fórmula. A casa nunca está vazia. Essa mistureba é a sua grande virtude. Some-se a isso confortáveis sofás vermelhos, pufes, mesinhas baixas e iluminação indireta complementada com velas espalhadas pelo ambiente.

O Maumau costuma abrir espaço para mostras de cinema de curta-metragens, documentários e videografismo exibido nos três telões da casa. Há pouco tempo, os donos aproveitaram a estrutura também se presta para mostrar os jogos do Barça, um ensaio para as partidas da Copa da Alemanha. Se você quer saber a agenda cultural de Barcelona, dê uma espiada na página do Maumau na internet. www.maumaunderground.com


Curso Prático de Catalão para Bêbados
O catalão é a língua mais falada nas carrers de Barcelona. A Playboy aproveita que você vai estar na cidade e ensina as manhas desse nobre idioma. A didática do Curso Prático de Catalão para Bêbados é muito simples: é encher a cara e sair falando.

1. Boa-noite: Bonna nit
2. Oi, eu me chamo Fulano de Tal: Hola, Jo em dic Fulano de Tal
3. Hoje vou encher a cara: Avui vaig a emborratxar-me
4. Por favor, uma cerveja: Si us plau, posa’m una cervesa.
5. Eu não vou parar é pra ninguém: No em para ningú.
6. Pode ser ou tá dificil?: Pot ser o està dificil?
7. Eu sou amigo do Ronaldinho: Jo sóc amic de Ronaldinho.
8. Aí, mina, tô nessas carnes: Que maca que ets!
9. Onde eu compro um Engov?: On jo compro un Engov?
10. Visca el Barça!: Viva o Barça!


Não vá se perder por aí:
Restaurante árabe Soho
Carrer de les Ramelleres, 26
Tel.: 933.010.463
Metrô Plaça Catalunya (Linha 3 – verde ou linha 1 – vermelha)
Cartão de crédito: não aceita.

Granja de Gavà
Carrer Joaquim Costa, 37.
Tel.: 933.175.883
Metrô Plaça Catalunya (Linha 3 – verde ou linha 1 – vermelha)
Cartão de crédito: não aceita.

La Concha del Barrio Chino
Carrer Guardia, 14.
Metrô Drassane (Linha 3 – verde)
Cartão de crédito: não aceita.

Marsella Bar
Carrer Sant Pau esquina com Sant Ramón
Metrô Liceu (Linha 3 – verde)
Cartão de crédito: não aceita.

Mau Mau Underground
Carrer Fontodrona, 33.
De quinta a sábado, das 23 às 03h. Domingos, das 19 às 00h.
Entrada: € 5,00
www.maumaunderground.com
Metrô Parel.lel (Linha 2 – lilás)
Cartão de crédito: não aceita.


Espaços culturais:
Centre de Cultura Contemporània de Barcelona (CCCB)
www.cccb.org
Metrô Universitat (Linha 1 – vermelha ou linha 2 – lilás)

Museu d’Art Contemporani de Barcelona (MACBA)
www.macba.org
Metrô Universitat (Linha 1 – vermelha ou linha 2 – lilás)

Código de Barcelona: 0034

O metrô de Barcelona
Barcelona possui uma excelente rede integrada de transporte público, com metrô, trem, ônibus e tranvia (bonde). Isso quer dizer, com o mesmo bilhete você pode viajar e/ou fazer conexões em qualquer um dos meios de transporte. O bilhete T-10 para dez viagens custa € 6,65. O metrô funciona de domingo a quinta, das 5h à meia-noite. Sextas e sábados fica aberto até 2h.