No coração do Brasil. Desço até a garagem, mas passo direto pelo meu carro. O meu destino é outro. Vou ao bicicletário do condomínio e pego a minha bicicleta (vejo as outras penduradas, cheias de poeira e pneus murchos – sem o viço da minha que vai perambular por aí). O desafio é ir ao trabalho nela durante uma semana pelas ruas movimentadas de São Paulo. Abro o portão automático do prédio e saio garboso com a Dolores, a minha bike. De dentro do carro importado, o meu vizinho engravatado espicha o pescoço para assistir a cena. O porteiro também estranhou um pouco, deve ter pensado que a crise afetou o meu bolso (o que não está de todo errado).
A primeira pedra no caminho não é a distância até o trabalho (5 km), porém lugar onde moro: entre duas ladeiras assustadoras. Sigo por uma ruazinha alternativa. Depois aprenderia que esse é o segredo de pedalar numa grande cidade: as vias secundárias. O trânsito (e o perigo) é bem menor. O meu primeiro dia como ciclista foi bastante complicado, especialmente no quesito preparo físico. Mais empurrei que pedalei a magrelinha, mesmo assim cheguei à editora pondo os bofes para fora. As pernas sentiram os efeitos do sedentarismo e as cãibras foram inevitáveis à noite (descobri o valor de cada uma das ladeiras dessa cidade). Nos dois primeiros dias tive vontade de desistir, confesso. Afinal, o carro estava ali, convidativo, era só ligar e vrrruuummm: cheguei. Mas resisti, sobrevivi dentro de mim.
Passada a fase das dores agudas: pernas, costas, derrière. Comecei a curtir cada pedalada. Descobri um montão de coisas generosas que não entram pela janela do carro: prédio antigo, árvore carregada de frutas, casal de velhinhos (acredite, isso tudo em São Paulo!). Outro dia cruzei com o Edgar Scandurra, guitarrista do Ira!, trazendo de bike o filho da escolinha. Parecia cena de cidade do interior. Outra surpresa foi a festa que as crianças no transporte escolar fizeram quando passei. Uma menininha acenou efusivamente através da mãozinha da boneca que ela carregava. Retribui, cauteloso, para não perder o equilíbrio e cair sob algum automóvel. O cotidiano parece mais cordial no selim da Dolores.
Os dias diante do guidom me mostraram que os ciclistas, mesmo quando não se conhecem, se cumprimentam – parecem uma confraria para enfrentar os perigos do mundo. Logo entendi por quê. Ih, olha lá vem um ônibus descendo a ladeira a toda! Só dá tempo de eu jogar a magrelinha na calçada, quase sobre uma banca de revistas. Assim que me recuperei do susto, dirigi elogios à mãe do condutor.
Não seria a única vez. Infelizmente, a cena se repetiria diversas vezes. Os motoristas de ônibus não são inimigos públicos número 1 dos ciclistas. Na minha experiência, as caminhonetas de entregas aparecem em primeiríssimo lugar; seguidas pelos motoboys, só depois vêm os ônibus. A minha vingança não tardaria. Saí do trabalho bem na hora do rush. Com uma secreta alegria, passei incólume pelo engarrafamento. Fui pedalando e cantando: baby é magrelinha/ no coração do Brasil...
A primeira pedra no caminho não é a distância até o trabalho (5 km), porém lugar onde moro: entre duas ladeiras assustadoras. Sigo por uma ruazinha alternativa. Depois aprenderia que esse é o segredo de pedalar numa grande cidade: as vias secundárias. O trânsito (e o perigo) é bem menor. O meu primeiro dia como ciclista foi bastante complicado, especialmente no quesito preparo físico. Mais empurrei que pedalei a magrelinha, mesmo assim cheguei à editora pondo os bofes para fora. As pernas sentiram os efeitos do sedentarismo e as cãibras foram inevitáveis à noite (descobri o valor de cada uma das ladeiras dessa cidade). Nos dois primeiros dias tive vontade de desistir, confesso. Afinal, o carro estava ali, convidativo, era só ligar e vrrruuummm: cheguei. Mas resisti, sobrevivi dentro de mim.
Passada a fase das dores agudas: pernas, costas, derrière. Comecei a curtir cada pedalada. Descobri um montão de coisas generosas que não entram pela janela do carro: prédio antigo, árvore carregada de frutas, casal de velhinhos (acredite, isso tudo em São Paulo!). Outro dia cruzei com o Edgar Scandurra, guitarrista do Ira!, trazendo de bike o filho da escolinha. Parecia cena de cidade do interior. Outra surpresa foi a festa que as crianças no transporte escolar fizeram quando passei. Uma menininha acenou efusivamente através da mãozinha da boneca que ela carregava. Retribui, cauteloso, para não perder o equilíbrio e cair sob algum automóvel. O cotidiano parece mais cordial no selim da Dolores.
Os dias diante do guidom me mostraram que os ciclistas, mesmo quando não se conhecem, se cumprimentam – parecem uma confraria para enfrentar os perigos do mundo. Logo entendi por quê. Ih, olha lá vem um ônibus descendo a ladeira a toda! Só dá tempo de eu jogar a magrelinha na calçada, quase sobre uma banca de revistas. Assim que me recuperei do susto, dirigi elogios à mãe do condutor.
Não seria a única vez. Infelizmente, a cena se repetiria diversas vezes. Os motoristas de ônibus não são inimigos públicos número 1 dos ciclistas. Na minha experiência, as caminhonetas de entregas aparecem em primeiríssimo lugar; seguidas pelos motoboys, só depois vêm os ônibus. A minha vingança não tardaria. Saí do trabalho bem na hora do rush. Com uma secreta alegria, passei incólume pelo engarrafamento. Fui pedalando e cantando: baby é magrelinha/ no coração do Brasil...
Paulinho Lencina, pedalando e aprendendo a perdoar os motoristas que insistem em jogá-lo sobre a calçada.