Na Medicina Ayurvêdica, tudo é observado no paciente. Até os silêncios.
O Deus que mora em mim saúda o Deus que mora em você. Toco a campanhia num sobrado do bairro paulistano da Saúde (nome bem sugestivo para quem vai fazer a primeira consulta de Medicina Ayurvêdica). Surge um homem vestido todo de branco. Confesso: fico decepcionado. Imaginava ver o Dr. Bokulla trajando um shari igual ao seu compatriota Gandhi. No entanto, parece um médico ocidental. Ele me saúda juntando as mãos à altura do peito. Não sei o que fazer. Apenas retribuo com um sorriso.
O ambiente é simples. Quadros de deuses hindus e uma foto do médico com o amigo Deepak Chopra enfeitam a parede. O Dr. Bokulla Ramachandra Reddy é a gentileza em pessoa: gestos pausados, sorriso tímido, voz baixa – como se não quisesse acordar os passarinhos. A consulta começa quando se chega ao portão da casa-consultório. Ele não tira os olhos da gente um segundo sequer. Captura (parece sentir) todas nossas ações. Vale tudo: do movimento das mãos ao dos olhos. Inclusive os silêncios.
A parte prática da consulta começa com um variado questionário. Todas perguntas em primeira pessoa. Por exemplo, “fico impaciente com facilidade” até “não me agrada clima frio e úmido”. O passo seguinte é sentir a pulsação do paciente. Bokulla pega muito firme no meu punho esquerdo; a seguir sente o outro. Ato-continuo, une as minhas mãos para fazer nova medição. Olha meticulosamente minhas unhas, manda abrir a boca e pôr a língua para fora; depois revirar os olhos. Tudo isso para descobrir os humores da ayurveda – Vata, Pitta, Kapha. Volta para trás da mesa sem deixar transparecer qualquer sinal de diagnóstico.
Vamos para a sala ao lado. Tenho de ficar sem os calçados e sem a camisa. O médico pede para eu deitar na maca. Aperta a minha barriga, e muito. Apalpa os órgãos internos: fígado, baço, pulmões. Outra vez fala para eu revirar os olhos, abrir a boca, etc. (nota: revirar os olhos é muito desconfortável). Visto a roupa para voltar à sala inicial. O Dr. Bokulla afirma que sou Kapha misturado com Vata e explica as características reinantes dos meus doshas. Bingo! Tudo caiu em mim com uma luva: fico abismado com a exatidão da sabedoria milenar indiana.
Ser um Kapha-Vata tem lá suas desvantagens: ansiedade, nervosismo interno, dispersão. Eu estava em desequilíbrio total. Ou, em linguajar leigo, penava com todos sintomas. O tratamento: massagem relaxante, dieta, meditação, composto de ervas indianas. A terapia começou imediatamente. Voltei à maca, fiquei só de cueca. São duas massagens relaxantes com óleos medicinais: a Abhyanga e a Shirodhara. A primeira se concentra no corpo e, a segunda, na cabeça.
A Shirodhara é a mais demorada. São colocados protetores nos olhos e nas orelhas para não cair o óleo morno durante a aplicação (o óleo tem um cheiro parecido com o do biscoito cream cracker). Depois de completamente untando, sou coberto por camadas de papel gigantesco por mais de uma hora. A primeira sensação é de agonia seguida de relaxamento profundo. Dormir é inevitável. Acordo com o Dr. Bokulla perguntando se está tudo bem.
Na fase final do tratamento, o médico me ensina a meditar. Nunca pensei que fosse tão prazeroso o simples ato de respirar. Bhur, inspira. Bhuvaha, expira. Vou repetindo mentalmente o mantra. As ações complementares são feitas em casa com o composto de ervas indianas e a dieta recomendada para o meu dosha. Na hora de ir, o Dr. Bokulla repete a saudação com as unidas. Pergunto o significado, após a explicação, retribuo, meio desajeitado, a gentileza do Deus que mora em mim saúda o Deus que mora em você.
Paulinho Lencina, costuma se jogar na vida sem pára-quedas e é fã inveterado de Dorival Caymmi.
O Deus que mora em mim saúda o Deus que mora em você. Toco a campanhia num sobrado do bairro paulistano da Saúde (nome bem sugestivo para quem vai fazer a primeira consulta de Medicina Ayurvêdica). Surge um homem vestido todo de branco. Confesso: fico decepcionado. Imaginava ver o Dr. Bokulla trajando um shari igual ao seu compatriota Gandhi. No entanto, parece um médico ocidental. Ele me saúda juntando as mãos à altura do peito. Não sei o que fazer. Apenas retribuo com um sorriso.
O ambiente é simples. Quadros de deuses hindus e uma foto do médico com o amigo Deepak Chopra enfeitam a parede. O Dr. Bokulla Ramachandra Reddy é a gentileza em pessoa: gestos pausados, sorriso tímido, voz baixa – como se não quisesse acordar os passarinhos. A consulta começa quando se chega ao portão da casa-consultório. Ele não tira os olhos da gente um segundo sequer. Captura (parece sentir) todas nossas ações. Vale tudo: do movimento das mãos ao dos olhos. Inclusive os silêncios.
A parte prática da consulta começa com um variado questionário. Todas perguntas em primeira pessoa. Por exemplo, “fico impaciente com facilidade” até “não me agrada clima frio e úmido”. O passo seguinte é sentir a pulsação do paciente. Bokulla pega muito firme no meu punho esquerdo; a seguir sente o outro. Ato-continuo, une as minhas mãos para fazer nova medição. Olha meticulosamente minhas unhas, manda abrir a boca e pôr a língua para fora; depois revirar os olhos. Tudo isso para descobrir os humores da ayurveda – Vata, Pitta, Kapha. Volta para trás da mesa sem deixar transparecer qualquer sinal de diagnóstico.
Vamos para a sala ao lado. Tenho de ficar sem os calçados e sem a camisa. O médico pede para eu deitar na maca. Aperta a minha barriga, e muito. Apalpa os órgãos internos: fígado, baço, pulmões. Outra vez fala para eu revirar os olhos, abrir a boca, etc. (nota: revirar os olhos é muito desconfortável). Visto a roupa para voltar à sala inicial. O Dr. Bokulla afirma que sou Kapha misturado com Vata e explica as características reinantes dos meus doshas. Bingo! Tudo caiu em mim com uma luva: fico abismado com a exatidão da sabedoria milenar indiana.
Ser um Kapha-Vata tem lá suas desvantagens: ansiedade, nervosismo interno, dispersão. Eu estava em desequilíbrio total. Ou, em linguajar leigo, penava com todos sintomas. O tratamento: massagem relaxante, dieta, meditação, composto de ervas indianas. A terapia começou imediatamente. Voltei à maca, fiquei só de cueca. São duas massagens relaxantes com óleos medicinais: a Abhyanga e a Shirodhara. A primeira se concentra no corpo e, a segunda, na cabeça.
A Shirodhara é a mais demorada. São colocados protetores nos olhos e nas orelhas para não cair o óleo morno durante a aplicação (o óleo tem um cheiro parecido com o do biscoito cream cracker). Depois de completamente untando, sou coberto por camadas de papel gigantesco por mais de uma hora. A primeira sensação é de agonia seguida de relaxamento profundo. Dormir é inevitável. Acordo com o Dr. Bokulla perguntando se está tudo bem.
Na fase final do tratamento, o médico me ensina a meditar. Nunca pensei que fosse tão prazeroso o simples ato de respirar. Bhur, inspira. Bhuvaha, expira. Vou repetindo mentalmente o mantra. As ações complementares são feitas em casa com o composto de ervas indianas e a dieta recomendada para o meu dosha. Na hora de ir, o Dr. Bokulla repete a saudação com as unidas. Pergunto o significado, após a explicação, retribuo, meio desajeitado, a gentileza do Deus que mora em mim saúda o Deus que mora em você.
Paulinho Lencina, costuma se jogar na vida sem pára-quedas e é fã inveterado de Dorival Caymmi.