domingo, 5 de abril de 2009

Grandes brasileiros vivos – Dorival Caymmi

À preguiça e à paz universal. E viva Dorival Caymmi. Meu rei, pegue a rede, pendure na sala e jogue um sorriso nos lábios. Pronto, agora você pode entrar no mundo de um dos mais ilustres brasileiros de todos os tempos: Dorival Caymmi.

O universo musical de Caymmi é povoado por pescadores, mulheres dengosas, homens valentes, sincretismos e preguiça, muita preguiça. É dele Saudade de Itapoã, a música mais preguiçosa que conheço: “Coqueiro de Itapoá, coqueiro/ Areia de Itapoá, areia/ Morena de Itapoá, morena...”, diz a letra ao som de uma viola macambúzia. Por aí você tira o resto.

A preguiça de Dorival Caymmi gerou histórias folclóricas. Uma das mais conhecidas é a de que Dorival levou 12 anos para terminar a música Acalanto, uma cantiga de ninar para sua filha Nana. Num episódio mais recente, Jô Soares convidou-o para participar do seu programa de entrevistas e só conseguiu a muito custo (chegou a promover uma campanha) levá-lo ao estúdio, depois de esperar anos a fio. O motivo você sabe: preguiça.

Gostar da obra de Dorival Caymmi é ser apaixonado pelo mar, por poesia e ter absoluta certeza de que nada é para já. Para que fazer agora se dá pra deixar para amanhã? Essa é a lógica camminiana. A música dele é a síntese perfeita da brasilidade: dengo e mandinga, cheiro e sensualidade.

Caymmi deixou para sempre a sua marca na cultura baiana assim como o outro baiano-mor Jorge Amado, e Pierre Verger e Carybé (baianos emprestados, respectivamente, da França e Argentina)

Diferentes azuis

Este bom baiano é um profundo conhecedor das mulheres, que sempre ocuparam lugar privilegiado em sua obra. Prova disso são canções como Modinha para Gabriela, Lá vem a baiana, Francisca Santos das Flores e Marina (imortalizada na voz de Dick Farney). Dorival soube captar toda a manemolência, a brejeirice e a sensualidade do universo feminino. Segundo declarou, sem a mulher não existiria a canção.

E a Bahia é a sua maior fonte de inspiração. Ninguém soube cantar a Bahia como Caymmi. As suas igrejas, as suas pretas do acarajé, os seus terreiros de candomblé, as suas festas de rua, os seus sobrados, os diferentes azuis do seu mar. Por causa dela, chorou de saudade em lugares distantes, sempre com muita poesia e voz grave. Se a Bahia tem um jeito que nenhuma outra terra tem, ele tem um jeito único de cantar a Bahia. A Bahia tem muito a agradecer a Dorival Caymmi. E o Brasil também.

Segundo contam foi ele quem ensinou Carmem Miranda a revirar os olhos e a movimentar as mãos para americano ver em O que é que a baiana tem?, outro clássico dele. E mais: assim como Noel Rosa, inaugurou um modo brasileiríssimo de compor e cantar. Desse frondosa árvore chamada Dorival Caymmi descende todo o primeiro time da MPB: João Gilberto, Caetano, Gal, Gil, Bethânia, Paulinho da Viola (perceba as semelhanças entre Para um amor no Recife e Dora), Djavan e, é claro, Nana, Dori e Danilo.

Dorival é uma das maiores alegrias e, ao mesmo tempo, uma das maiores tristezas de minha vida. Alegria por ele ser brasileiro como eu. Tristeza por nunca tê-lo visto ao vivo, em um palco. Dorival Caymmi é um octogenário que continua sendo aquele menino preguiçoso sentado de cócoras a admirar as jangadas saírem para as águas salgadas de Itapoã.

Por isso, sempre que levanto um copo para brindar, digo (os meus amigos bem sabem):
- À preguiça e à paz universal. E viva Dorival Caymmi!